sexta-feira, 8 de junho de 2012

depois do cubo mágico.

no dia em que passei no vestibular, toda a família ficou muito feliz – bem mais do que eu, pra falar a verdade. havia retornado da atrasada são luís do maranhão, em princípio, a passeio. mas um estranho senso de responsabilidade falou alto e me preparei – inclusive com cursinho no bom e velho objetivo da 904, por 5 meses para o tal vestibular da unb. escolhi o curso na fila da inscrição. passei. mas enquanto todo mundo celebrava a vitória [?!], me sentia estranho. incompreendia aquilo tudo. quanto mais as pessoas me davam parabéns, mais eu estranhava tudo, deslocado. meu tio andré, do alto da sabedoria de quem já havia vivido, apreendido, errado, brilhado e feito mais merdas que eu, metralhou: - tá se sentindo estranho, né, meu filho? aprenda logo: toda conquista é vazia - simples assim. não entendi nada. achei até meio louco.. claro que com 18 anos e a maturidade de um azulejo, não havia como entender mesmo.. os ultimos 21 anos comprovaram que ele estava certo. visão meio pessimista, ok. mas muito acertada. hoje, associo a percepção do andré-tio ao cubo mágico: fantástico e criativo brinquedinho, moda nos anos 80 [claro]. nunca consegui concluir aquela coisinha colorida e bagunçada, com quadradinhos geometricamente dispostos. mas sempre pensava: - porra, e depois de acabar o cubo mágico, qual a graça da brincadeira? já naquela época comecei a deconfiar que o atingimento de um resultado – por mais esperado, é algo solitário, e meio vazio.. a maxima clássica e batida de que o melhor da festa é esperar por ela. e é isso mesmo. o processo é tão ou mais importante que o resultado, que o impacto atingido. mesmo no meu meio profissional, da implementação de projetos de cooperação, percebe-se facilmente a importância de construir estratégia, e elencar atividades, estimar e detalhar um orçamento, associar objetivos às atividades, definir indicadores para se chegar ao tal resultado esperado. só se consegue uma mudanç estrutural significativa se cada subetapa for planejada e priorizada a seu tempo. uma vez mais, associo o segredo das grandes descobertas e das coisas mais importantes da vida a pequenos ganhos, às micro felicidades que vivemos.. ao trivial sensacional. esse conceito merece um momento. somos criados e condicionados a esperar da vida não menos que o sensacional. meninas são princesas, meninos são soldados, guerreiros. todos serão vitoriosos e terão uma vida de êxitos e vitórias, bons empregos, felicidade, felicidade nos casamentos.. my ass! por essa visão deturpada, distorcida e limitada, resiste-se em admitir a possibilidade de um somatório de pequenas histórias românticas por meio das quais construiríamos a experiência para, dentre outros, vivenciar melhor um grande amor. não, só admitimos a existência de grandes e avassalores amores, ou melhor, de um único agrande amor. somos treinados para acreditar nisso. porra, se essa é a verdade absoluta, claro que qualquer “desvio padrão” da rota pré-concebida de felicidade, significa frustração e infelicidade. associamos logo a separação a algo trágico, sofrido [do contrario , não havia amor..]. a sociedade não compreende a possibilidade de alguém sair, não feliz, mas sereno, tranquilo e, o mais importante: agradecido de uma relação – vivida e vivenciada com devoção, verdade e, por que não, paixão ou mesmo amor romântico. é perigoso associar cada período da vida a uma conquista futura, claro! assim que atingida a conquista, ela tende a nos levar à frustração, após breve momento de prazer e curtição. se não atingida, muito pior: machuca profundamente, e seus efeitos são sentidos na derme. depois de escalar uma montanha bem alta, resta apenas olhar para baixo e ver cada etapa conquistada. lembrar de cada acampamento, de cada cilindro de oxigênio consumido. rever cada fase percorrida. não se pode ignorar a sensação de conquista, e o prazer que vem dela, claro. mas esse deleite está dentro de cada um, é permeado pela subjetividade e não pode ser exogenamente projetado. a delicia da conquista é simétrica à dor: do tamanho de cada um ou, da maneira como cada um percebe essa conquista, ou sofre essa dor. Independente da crença, temos um compromisso moral, pessoal e talvez espiritual de buscar felicidade. não epidérmica, estética, passageira, condicionada, mas sim, plena.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

protozoário, o injustiçado

prólogo. já é inverno em bsb, e hoje o dia começou esquizofrenicamente gostoso: cinza, frio e meio chuvoso. mas depois das 14h o sol saiu, as nuvens fugiram e, como dizia o sábio marcelo nova, “o ponteiro subiu”. tava quente. eu saía de um almoço gostoso com velhos amigos no velho corporate centre, digo, center. setor comercial norte da gloriosa brasília. era hora de pegar meu carro, estacionado em uma vaga regularmente concebida para esse fim. mas, de repente, percebo um carro parado na frente do meu. desenvolvimento. acho que por um momento, minha pressão, que é 11 por 7 há vinte anos, foi a 13 por 8. olho para um lado: ninguém. olho para o outro: ninguém. penso, por um momento: - saco, sem tempo, com preguiça, sonolento e de barriga cheia, vou ter que empurrar a porra do carro!! putaquepariu, que saco!!! isso nunca aconteceria na alemanha, como diria meu amigo cujo apelido é.. alemanha. aliás, colocando o politicamente correto em seu lugar [a putaquepariu], entendo que o ocorrido teria espaço em são luís do maranhão, onde morei; em goiânia, onde prefiro nunca morar; no rio de janeiro, onde quero voltar a morar. mas é triste ver isso acontecer em brasília. pois bem. na frança do século xviii, era moda usar paletó, colete, camisa e calça feitos com diferentes tecidos, padrões e cores: era o embrião do terno, hoje mundialmente difundido. naquela época, o terno tinha corte largo e era utilizado como peça informal de vestuário, conhecido como "roupa de descanso". essa vestimenta falida, estúpida, resquício de uma época falida e igualmente estúpida, piora tudo. por causa dele, ou melhor, do nó da gravata [acredita-se que essa tenha surgido na corte de luís xiv], meu sangue tem mais dificuldade para circular, minhas artérias comprimem-se, minhas sinapses ficam ainda mais lentas. mas, voltando ao carro: teria de ser empurrado. arregaço minhas mangas e começo a empurrar. nada. não sou um modelo de átila, mas estava empurrando com força. nada. aí, por um segundo, passa um flash na minha cabeça.. frio na barriga. resolvo olhar dentro do veículo e, pimba!! freio de mão puxado. cheguei a 15 por 9, imagino. não posso morrer por causa de um[a] filha da puta que não tem a menor vocação para a vida em sociedade. lembro-me de que não paro em fila dupla nem pra comprar pão. e a gente costuma esperar em retorno o que fazemos para as pessoas.. ah, foda-se. já tava mais que puto. ainda rola um olhar perdido para vários lados. nada. buzino, por via das dúvidas. nada. caminho até os flanelinhas e pergunto se alguém está “tomando conta” de um veículo x, placa tal. cara de conteúdo. nada. ninguém. calma, calma. a pressão! resolvo andar até a recepção do prédio comercial [o estacionamento é em frente] e perguntar, por via das dúvidas. nada. – o senhor tem de perguntar ao flanelinha, eles costumam ficar com as chaves de alguns veículos. - mas eu já conversei com eles e nada. nada.. hora de desabotoar o primeiro botão da camisa e afrouxar o nó da gravata. eu quase me rendo. resolvo entrar novamente no prédio e tomar um café. quem sabe nesse meio termo algo legal acontece? a essa altura, desejei de coração a chance de deixar para a pessoa a mesma alegria que ela me deixou. com o expresso na cabeça, volto à romaria. decido falar com flanelinhas do próximo estacionamento, uns 500m adiante. quando estou chegando, olho pra trás: o carro estava saindo. o carro estava saindo!! eu tinha de fazer algo, pelo menos olhar o[a] verme nos olhos e.. sei lá. precisava disso. corri em direção a uma das duas saídas [arrisquei a mais provável..] para interceptá-lo[a], mas o carro seguiu a direção oposta. putaquepariu. consegui ver uma loira-que-não-nasceu-loira muito perua.. lembrei, uma vez mais, do michael douglas em falling down. que bom que não estou armado! mantive a calma. viva as aulas de yoga. conclusão
. me pergunto, afinal: por que o pobre protozoário só tem direito a uma célula enquanto há seres que têm uma coleção, mas não sabem o que fazer com elas?

segunda-feira, 14 de maio de 2012

homenagem de lenore fleicher, autora de rain man, aos gatos. genial.
When God made the world, He chose to put animals in it, and decided to give each whatever it wanted. All the animals formed a long line before His throne, and the cat quietly went to the end of the line. To the elephant and the bear He gave strength, To the rabbit and the deer, swiftness; To the owl, the ability to see at night, To the birds and the butterflies, great beauty; To the fox, cunning; To the monkey, intelligence; To the dog, loyalty; To the lion, courage; To the otter, playfulness. And all these were things the animals begged of God. At last he came to the end of the line, and there sat the little cat, waiting patiently. "What will YOU have?" God asked the cat. The cat shrugged modestly. "Oh, whatever scraps you have left over. I don't mind." "But I'm God. I have everything left over." "Then I'll have a little of everything, please." And God gave a great shout of laughter at the cleverness of this small animal, and gave the cat everything he asked for, adding grace and elegance and, only for him, a gentle purr that would always attract humans and assure him a warm and comfortable home. But he took away his false modesty.
Lenore Fleischer

quarta-feira, 9 de maio de 2012

esse menino sabia das coisas. -------- songs of innocence william blake (1757-1827) piping down the valleys wild, piping songs of peasant glee, on a cloud I saw a child, and he, laughing, said to me: 'pipe a song about a lamb!' so I piped with merry cheer. 'piper, pipe that song again;' so I piped: he wept to hear. 'drop thy pipe, thy happy pipe; sing thy songs of happy cheer!' so I sang the same again, while he wept with joy to hear. 'piper, sit thee down and write in a book, that all may read.' so he vanished from my sight; and I plucked a hollow reed, and I made a rural pen, and I stain'd the water clear, and I wrote my happy songs every child may joy to hear.

terça-feira, 1 de maio de 2012

gatos

essas linhas têm endereço certo e não são para qualquer pessoa. durante meu período no rio de janeiro, desbravei, descobri, redescobri e confirmei uma uma série de coisas. uma certeza: minha identificação absurda com o universo felino. a esse respeito, chego a não acreditar como já escrevi tanta besteira, sobre tanta coisa e ainda não tinha rendido homenagem aos gatos. sempre fui amante dos animais, a ponto de me sensibilizar mais com o bem estar dos bichos, do que com o de nossa espécie. idiossincrasias, esquisitices e excentricidades me aproximaram bem mais dos felinos em geral e dos gatos em particular. convivo com eles desde que era criança pequena em são luís, bem como com uma rinite leve, bem anterior aos gatos. foram vários. curiosamente, quase todas fêmeas.. minha identificação é tanta, que outro dia me deprimi ao ler matéria sobre um zoológico particular descoberto no interior do paraná: tigres e leões estavam desnutridos e deprimidos, e os especialistas do ibama estimam que eram alimentados com um frango por dia. a dieta recomendável para felinos de grande porte inclui quilos diários de carne crua. para ilustrar: em algum ponto distante da minha adolecência, enquanto eu estudava [hábito cultivado desde nem sei quando], uma das gatas que criávamos, bastante doente e debilitada, acordou, cambaleou até meus pés, e se deitou para dar o ultimo suspiro de vida comigo.. aí lembro das subpessoas qua acham que gatos não são capazes de esboçar carinho e que lhes fala sensibilidade. putaquepariu, que paciência para essas pessoas!! acredito que gatos têm conexões incompreensíveis com mundos e planos menos compreensíveis ainda. o que poderia assustar alguns, me encanta e me intriga. até charles bukowski escreveu um poema elegante e refinado sobre os gatos. voltando ao rio. durante os dois anos em que morei na cidade maravilhosa, exerci [ina]bilidades que nem sabia que possuía. morava na cidade mais propícia a relações efêmeras e sexo fácil do brasil. mas, à exceção de uma relação relâmpago e umas poucas ciscadas, vivi praticamente recluso e bem. estava feliz, pleno. minhas companhias preferidas eram um argentino excêntrico, uma bahiana arretada.. e duas gatas – mãe e filha, adotadas diretamente no passeio público, próximo aos arcos da lapa. cariocas da gema. moravam comigo e tornavam a vida em copacabana um pouco mais peluda e muito mais engraçada. hoje, cinco mudanças e muitas aventuras e desventuras depois, maria eduarda e charlotte são a família mais próxima. referência de convívio, de carinho, de bagunça e de diversão. foi lá na baía de guanabara que descobri córa rónai. colunista de O Globo, escreve com sensbilidade rara e revela paixão desmedida pelos gatos. na primeira vez em que li sua coluna, ela escrevia sobre como uma de suas várias gatas andou até seus pés e adormeceu pra sempre. identificação imediata!! tempos depois, descobri que cora era mulher de millôr fernandes. necesidade de escovar sempre, aguentar lingua áspera, miados fora do horário, despertadores naturais, universo interminável de pêlos, o fim de roupas sempre limpas.. não vale a pena tentar seduzir ao universo felino aqueles que declaradamente não gostam de gatos. porra, quem não gosta de gatos merece.. não gostar de gatos! a sensibilidade ainda tem vez nesse mundo enquanto houver gente naturalmente apaixonada como cora rónai, mariana gogu – e seu blog amalucado, a vera de bsb [dona de um “acervo” de mais de 60 gatos, adotados e bem criados], o pessoal da SUIPA, flávia mattos, thaís braga, patrícia sávio, dentre tantos outros. e gente que se deixa seduzir e conquistar – como o dono do mishima [“o amor em minúscula”], e, claro, a “bonitinha do ceubinho”. a criativa amimação shrek mereceu três continuações, mas o único personagem que teve um filme à parte, claro, foi o gato de botas: antônio bandeiras estava impagável! com os gatos, a vida fica mais gostosa e o domingo, mais alegre. é hora de encerrar, pois charlotte mia insistentemente. acho que não é fome, mas gula por sorvete de café ou iogurte. acostumei-as a um micro-naco de um ou de outro, de vez em quando. a vida pode ser meio chata quite sometimes e até os gatos merecem um regalo. § § § ps: para todos os apreciadores e apreciadoras do universo enlouquecido dos gatos.

domingo, 8 de abril de 2012

o que faz você feliz – ou, ode ao trivial sensacional

difícil não lembrar daquela propaganda do pão de açúcar, cujo mote era definir “o que faz você feliz”. acho que antes mesmo de o mundo começar como tal, as moléculas de hidrogênio já se ocupavam do tema felicidade. ele rende roteiros cinematográficos, discussões de boteco e dogmas religiosos. mas.. o que nos faz feliz? não acho que haja respostas definitivas, nem acedito numa única fórmula eficiente para todos. mas com boa parte dos cabelos do meu corpo pintados naturalmente, começo a achar que se pode arriscar alguns caminhos. acho que o pulo do gato aqui é a simplicidade. coisas, processos, situações que em determinada época da vida nos parecem intransponíveis, complicadíssimas, de repente passam a não assustar mais, e podem, naturalmente associar-se, de maneira simples, a um estado de felicidade. é o caso da paternidade. quando eu era mais novo, achava tudo complicadíssimo, difícil, sofrido nesse campo. ter um filho era algo incogitável. e não pela questão da óbvia limitação financeira dos vinte anos. mas pela maturidade e capacidade que, claro, nunca viriam a contento. uma das premissas da psicologia que venero é a clássica: “tudo passa, isso também passará”. claro! isso precisa fazer minimamente sentido, do contrário, estariam ainda mais condenados mães que perdem seus filhos precocemente, povos submetidos a ditaduras crueis e seculares, pobreza extrema, doentes incuráveis ou terminais e suas famílias, pacientes de dor aguda e crônica, dentre outros. quando se acredita que TUDO na vida é passageiro, relega-se a crueldade dos fatos a mera etapa evolutiva – passageira por definição e necessária para o fechamento de processos. mais ou menos como a acontece com a breguice de algumas tramas novelísticas - e seus núcleos. fica mais fácil, também, minimizar a inveja que enche o saco de tanta gente – se tudo passa, não vale a pena me prender à vontade de ter ou ser o que meu vizinho tem ou é. desde que, claro, se esteja bem durante o caminho. a felicidade pode estar associada a medalhões como a vivência de um amor pleno – e correspondido, fé religiosa, realização profissional, gozo de boa saúde, amizades verdadeiras – e saudáveis, ou mesmo à combinação de todos. as variáveis são múltiplas, mas a fórmula que parece funcionar é a simplicidade. os fatores que explicam a felicidade são muito significativos, e sua importância varia para cada um, mas são todos muito simples. não há consenso sobre o conceito, mas é hora de começar a questionar “o que nos faz feliz”? na tentativa de compreensão, é mais saudável acreditar que a felicidade é uma quimera a ser preseguida. mais uma vez, a metáfora sacana do coelho [pra prestigiar a páscoa] nas corridas de cachorro.. e deve, assim, ser vivenciada em nano-momentos do cotidiano. um milk shake de café da saborella, a chegada no aeroporto de uma cidade que sempre se quis conhecer, a foto que registra um momento importante, uma conquista pontual, um beijo, acordar e tomar café junto. tudo isso somado deve dar mais ou menos a fórmula para se fazer a conta da felicidade. cada um deve, pois, pegar lapis, borracha e calcular.. pode-se chegar a um resultado trivial, mas sensacional. boa páscoa. comedida, curtida, mas, acima de tudo, feliz. § § § dedico essas linhas às três crianças que bagunçaram minhas certezas. e a uma figura que há tempos torna a jornada bem mais interessante.

domingo, 25 de março de 2012

sobre monogamia, exclusivismo e braços quebrados.

com as duas mãos engessadas [quem não se lembra de jô soares há uns 10, 15 anos?], o psicólogo observava o paciente, inquieto.. limitado para escrever, ele esboçava um sorriso, ensaiava uma teoria. mas só escutava. o interesse pelo paciente crescia na medida de sua inquietude ocular: ele pensava, refletia, tentava entender, e virava os olhos, intrigado: o sujeito era naturalmente fiel a uma só pessoa, aos 40 anos de idade.
sua natureza, isenta de autossabotagens, agressões, pressões e crises era espontaneamente monogâmica, simples assim. mas, afinal, o que é ser monogâmico? como ser feliz e pertencer a uma classe em que a regra dominante é a poligamia e a complexidade sexual? o que é ser feliz sentimentalmente? não há respostas prontas ou soluções de almanaque. mas o tema instigou o especialista: podemos conversar um pouco sobre o assunto? – claro, respondeu o “pupilo”.
- você é fiel?
- sou.
- vc acha isso natural?
- pra mim, sim.
- acompanho muita gente e estudo o assunto, afinal, é meu trabalho. a fidelidade heterosexual masculina na espécie humana não parece natural pros outros, posso garantir. e isso tem base científica. tem um psiquiatra – brasileiro que defende que o homem tem duas funções essenciais: procriar e afirmar sua masculinidade.
- a primeira eu entendo, mas a segunda..
- pense bem. quando uma criança nasce, todo mundo – mesmo, sabe quem é a mãe. é fato inquestionável. já o pai.. o cara vive uma insegurança natural, genética até.
- caralho, nunca havia pensado assim.. mas não é culpa minha. nasci nessa espécie involuída por acaso – metralhou, com raro pedantismo.
- ora, meu caro, nada é por acaso. posso continuar?
- já combinamos que sim – a amizade de longa data revelava intimidade.
- você acha que se enquadra no padrão?
- no meu padrão, sim.
- [saco, pensou o médico]
- você sempre foi fiel?
- sempre.
- e como.. – peraí, minha caneta falhou. então, como funciona pra você? você se policia, se cobra, se pressiona ou se tolhe?
- nunca.
- e nunca traiu?
- uma vez, em final de namoro, fiquei com uma menina. foi rápido, foi só uma ficada, mas aconteceu.
- ah, você não é infalível!!
- bom, infalível nem o brasil de 1982, nem o eike batista..
- porra, então não há tanto mérito assim..
- isso é você quem decide.. mas é tipo virgindade e castidade. o primeiro conceito define quem nunca transou; o segundo, quem, em algum momento de vida, opta por não praticar sexo antes do casamento. acho, inclusive, fantástico. não funciona pra mim, mas respeito muito.
- isso é outro assunto, para outra pesquisa..
- ok, voltemos à vaca fria.
- vc nunca se atraiu por alguém de fora do seu arranjo sentimental, formalizado ou não?
-tá louco? claro que sim. talvez chegue até o flerte – aliás, saudável e, se praticado com moderação e consciência, importante mesmo para a relação. mas o processo nem cria raiz, parece definhar na fase de “formação do solo”..
- haha, você e suas metáforas! ok, outro assunto para outra ocasião. então.. você realmente não se força a ser fiel?
- mas o que é ser fiel? é ser fiel a uma pessoa? fiel a princípios? fiel a você mesmo?
- bom, se vc é fiel a uma só pessoa, é mais exclusivismo.
- ahhnn..
- se vc é fiel a princípios, você é verdadeiro, pleno em seu ser.
- meio esotérico, mas entendo.
- o que seus amigos – homens e mulheres, acham disso?
- muitos dizem que é antinatural, alguns dizem que ainda não aconteceu por falta de oportunidade, e uns poucos dizem que quando os arranjos são verdadeiros, a relação é baseada na franqueza, e as duas pessoas [ou três, ou quatro..] estão presentes de corpo e alma, conceitos como formalização e fidelidade perdem importância. gosto dessa última explicação. as pouquíssimas pessoas que me conhecem bem, concordam. na verdade, se é de comum acordo, e se os dois são maiores de idade, vale absolutamente tudo. cada relação tem seu formato, sua dinâmica, sua fórmula. mas a verdade, a confiança, o respeito permeiam – ou deveriam, todos os encontros.
- cara, vc deveria ter feito psicologia..
- haha, quem sabe um dia?! mas voltando.. acho que o segredo é a verdade mesmo.
- bom, esse assunto tem muito insumo, dá muita discussão..
- já vi que não vamos descobrir a pólvora aqui, mas fiquei curioso.. num pomar, vc consegue mesmo escolher – só uma laranja OU só uma maçã OU só um cacho de uvas OU só uma tangerina, entre todas as frutas?
- eu não como frutas..
- putaquepariu [vingança do médico].. vamos encerrar por aqui.
- por quê? cansou?
- não, é que meus dois pulsos começam a doer.


§ § §

ps-brega: paul hewson e alison stewart conheceram-se no Mount Temple Comprehensive School, de dublin, há quase 37 anos. apesar da superexposição e da idolatria que zilhões de fãs tem pelo cara, ele declara seu amor a ali em quase todo show..

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

sobre relações e pessoas

certo dia de 2011, durante conversa com um bom amigo [a quem dedico essas linhas], entre um café e uma lembrança, o cara propôs a existência de dois tipos de pessoas: aquelas que centram os relacionamentos.. nas pessoas, e as que priorizam a relação em si. achei interessantíssimo e resolvi refletir sobre o tema.

desde nosso papo, há mais ou menos um ano, tenho refletido sobre a “relação que as pessoas têm com os relacionamentos”. o perfil racional[izador], tende a ser mais ponderado e equilibrado [pelo menos dentro da relação] e, assim, centra mais facilmente os relacionamentos na própria relação. faz sentido. os que conseguem ter um olhar distanciado da relação e dos sentimentos, sem apego, tendem a sofrer menos os efeitos das diferenças, da rotina e de eventuais desencontros. dessa forma, estariam mais protegidos de relações cuja chance de êxito é sabidamente questionável.

novelas, romances, folclore, turmas de rua, escola, até mesmo a família. tudo e todos contribuem para reforçar e reproduzir o conceito de que é normal, aceitável, e certo orientar as relações românticas, pelo[a] outro[a], por suas expectivas e por suas projeções. e a maioria de nós, conscientemente ou não, acabamos por construir. esse é o segundo tipo de “relação com a relação”. e coisa das mais dificeis é desconstruir a noção de que a felicidade romântica está vinculada a um alguém que pode nunca aparecer – ou corresponder às nossas expectativas. mais uma vez, pode-se recorrer ao tomé: se acreditarmos com fé, a plenitude estará num pedaço de madeira. a lógica é parecida: é muito mais natural [e justo] acreditar que não existe [apenas] um grande amor, mas pode-se esbarrar em uma série de grandes amores ao longo da vida – aproveitar ou vivenciar essas oportunidades é uma outra estória. e cada um desses amores pode contribuir para nossa evolução. é preciso acreditar.. e entregar-se de forma sã. o segredo é ter equilíbrio desmedido com doses equilibradas - e controladas de irresponsabilidade.

talvez caiba aqui um óbvio mas elucidativo aparte. desapego em nada tem a ver com insensibilidade. pelo contrário: quem vive de forma desapegada, consciente de quem é, do que quer dessa vida, tende a saber melhor o caminho a percorrer em direção á felicidade e, por isso, sabe quanto vale doar-se, o que vale a pena trocar com o[a] parceiro[a] – em qualquer nível.

fica mais claro, assim, que não se pode sacrificar, anular, submeter-se a julgos e situações humilhantes em nome do ser amado, independente do gênero. muito bem. o sentimentalmente desapegado é, na maioria das vezes, o elemento mais centrado nas relações. isso não quer dizer que esse perfil não tenha traços de amor, sensibilidade, devoção e paixão. para ele, há, sim, o que se perder numa relação. mas o grande tesouro que se corre o risco de perder é a própria integridade, o próprio equilíbrio.

quando se liberta das relações de dependência que aprendemos a considerar normais desde crianças [na verdade, “normoides” e automatizáveis], consegue-se reconhecer de forma saudável o próprio valor, e o valor do[a] outro[a]. a partir daí fica mas fácil viver na plenitude o arranjo pessoa-relação. a troca fica mais gostosa e a relação romântica, mais plena.

nota de rodapé: [nuca antes na história desse país!!]

domingo, 5 de fevereiro de 2012

fênix [ou, paixão passional x paixão racional]


outro dia encontrei um amigo que não via há tempos. em meio às idiotices habituais desse tipo de encontro, o cara vomitou uma teoria, no mínimo, interessante. para ele, há resumidamente dois tipos de variáveis que pautam o desenvolvimento e o equilíbrio das relações: amor e sexo. e o mais louco: elas seriam, em princípio, meio incompatíveis. acho que no mesmo andar, vive a paixão. sobre ela, acabei fazendo outra reflexão: a diferença entre paixão passional e paixão racional.

a paixão passional é a paixão clássica: irracional [burra, por vezes], pulsante, superlativa, vibrante, exagerada, insone, faminta. inspirou ovídio, shelley, yeats, blake, cecília meireles, tom jobim. por esse conceito, apaixonar-se seria o objetivo-mor do ser humano. ela seria confundida, inclusive, com a própria felicidade.

aqueles que não vivem um ciclo passional clássico, marcado por incerteza, abnegação, taquicardia-quase-enfarto, loucura e, claro, doses nem sempre homeopáticas de estupidez, parecem não ter uma vida plena e são entendidos como mais idiossincráticos do que de fato são. para o [in]consciente coletivo, esse tipo de paixão vence o tempo, justifica decisões estúpidas, escolhas assumidamente erradas, comportamentos incompreensíveis, e é – ou tem de ser cruel.

vive-se toda a vida sob intenso bombardeio – da mídia, da família, da escola, da igreja, dos amigos: apaixonar-se faz parte da vida. e sofrer é parte integrante do ciclo passional. ai de quem não se apaixona e deixa de sofrer por isso. parece que os que não circulam pelos corredores escolares de mãos dadas, olhinhos virados, uniforme babado, recebem um precoce e cruel status de párias, outsiders.

são vistos como um bando de coitados os que não se sentem coitados, e não vivem imersos num mundo de angústia, duvidas, súplicas, amores não-correspondidos e [dependendo da época] overdose de velvet underground, nick cave, the smiths, the cure, smashing pumpkins ou os emo-chatos. a paixão passional tem um pouco de tudo isso.

mas não se pode ignorar a importância desse sentimento. sua vivência pode dar, inclusive, a chance de viver o segundo tipo, mais maduro. e, assim, pode ficar mais fácil assassinar velhos conceitos, como a falaciosa dependência do[a] outro[a], a necessidade de adequação às demandas sociais etc.

o que chamo de paixão racional, por sua vez, é um sentimento mais maduro. pode até ser aprendido com as idiotices da paixão passional. porra, claro que doses [monitoradas] de falta de controle, dúvidas, até mesmo burrices também fazem parte dessa categoria, mas em outras bases. sinceramente, não sei se o segredo é a idade, ou, o somatório das vivências acumuladas. talvez seja. mas alguns carregam serenidade na mochila desde pequenos.. que bom. o mundo fica mais justo assim.

os que sentem paixão racional estariam mais protegidos contra o sofrimento. seriam mais serenos e, até mesmo por isso, mais capazes de se entregar de cabeça.. à paixão. note-se a [aparente] contradição.

em princípio, é socialmente inaceitável que alguém esteja apaixonado e cumpra o ciclo de maneira feliz, serena, viva [pulsante, por que não?], e reconheça um eventual fim. eu mesmo tendo a resumir a coisa assim: a paixão acaba [como fogo que arde invisível, parafraseando o santo], ou evolui para um sentimento mais maduro. no caso, amor. mas, como já escrevi um quackilhão de vezes: preciso é navegar. viver, não. como simplificar algo tão plural e complexo como a paixão? os caminhos, desvios e possibilidades são tantos, que nem ovídio – muito menos eu conseguimos quantificá-la e conceituá-la. quando ela é racional, pede-se desculpas, alegra-se, sofre-se pelo outro. mas não se vive em função do outro. nem se mata por sua causa.

ao contrário do que reza a lenda, a globo, a autoajuda, e a indústria da felicidade, a paixão racional parece mais gostosa. é como se a paixão passional corresse pelas veias e a paixão racional, palas artérias. esta não circula mais rápido, mas sim, de maneira mais forte, e é mais vital para a sobrevivência: o corpo morre mais rápido sem ela.

o primeiro tipo alimenta consultórios psicológicos e reproduz neuras de origem não conhecida, gera brigas, estresse, agressões. o segundo dá espaço para rondelli de damasco e pôr-do-sol - do arpoador e do ccbb, não necessariamente o da 408 norte.

[curioso: enquanto escrevia essas besteiras, escutava uma rádio de los angeles em que era insistentemente anunciada a programação especial para o próximo valentine’s day..]

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

russel, o atemporal

esperando por mim

acho que você não percebeu
que o meu sorriso era sincero
sou tão cínico às vezes
o tempo todo
estou tentando me defender
digam o que disseremO mal do século é a solidão
dada um de nós imerso em sua própria arrogância
esperando por um pouco de afeição
hoje não estava nada bem
mas a tempestade me distrai
gosto dos pingos de chuva
dos relâmpagos e dos trovões
hoje à tarde foi um dia bom
saí prá caminhar com meu pai
conversamos sobre coisas da vida
e tivemos um momento de paz
é de noite que tudo faz sentido
no silêncio eu não ouço meus gritos
e o que disserem
meu pai sempre esteve esperando por mim
e o que disserem
minha mãe sempre esteve esperando por mim
e o que disserem
meus verdadeiros amigos sempre esperaram por mim
e o que disserem
agora meu filho espera por mim
estamos vivendo
e o que disserem os nossos dias serão para sempre..

domingo, 22 de janeiro de 2012

Metrorio – um conto inacabado

o dia estava dos mais complicados: relatório para entregar no trabalho, missão estrangeira na cidade, aumento do aluguel, mil demandas, muito stress, muita confusão. quase não havia tempo de apreciar a belezura da cidade maravilhosa. eu estava mais atrasado que o coelho da alice, e quase perdi o imperdível..

o relógio batia quase 9:30h e eu estava mais de uma hora atrasado. no caminho, nada de novo: o metrô pequeno, mas conservado e eficiente do rio de janeiro. o trajeto? o de sempre: comecei a viagem na simpática estação do cantagalo e, sem grande surpresas, desceria na confusa cinelândia. o futuro do pretérito encaixa-se com perfeição aqui..

ao deixar a reformadinha estação do largo do machado, a mulher subiu no mesmo trem em que estava. e aí, pronto: zupt!! a troca de olhares estilo closer confirmou que eu a conhecia. acredito que não era um estranho para ela. não me lembrava de onde, nem quando, mas sim, já havia cruzado olhares com a ruivinha em reuniões de trabalho, na casa da matriz, no market ipanema ou no crepe do bretão. pouco importava. não tinha intenção de fazer um tratado sobre a moça, nem decifrar suas preferências literárias. pelo menos não naquele momento. quem era ela, o que fazia, o que pensava, onde morava.. para onde ia?! eram questões secundárias. consegui ver, no entanto, o “segundo sexo”, da simone do sartre, escapar de sua pasta e começar a ser devorado. parecia mesmo uma intelctual: apostilas, livros, moleskines, anotações. tudo desorganizadinho na pasta estilosa.

pior é que tava chegando a hora de descer e nada acontecia. como nada? rolou simplesmente tudo naquela troca de olhares [livro-chão-ag-livro-livro]. tudo, menos certeza. típica limitação que instiga a curiosidade e apimenta qualquer aproximação, apesar de não ser mesmo possível definir o que pensava e o que sentia a moça. o flerte continuava. os olhos de um disfarçavam, passeavam pelo ambiente, visitavam outros portos, mas seguiam, invariavelmente, ao encontro do outro. putz, que delícia.

é inevitável, em situações como essa, certa dose de ansiedade. aborda-se? pede-se o telefone? pergunta-se o nome? arrisca-se levar um fora, uma cortada? sem regras pré-definidas, vale recorrer a pessoa para chegar na pessoa: nada é exato, preciso. e quando há verdade, timing e se as energias são boas, a curtição está garantida. no processo. claro que o resultado às vezes surpreende..

apesar de tomado pelos questionamentos, inseguranças e incertezas do tipo, controlei a ansiedade e deixei rolar. estava entorpecido, excitado, animado, curioso. sensacional! parafraseando o poeta argentino: era um grande momento.

nessa hora, percebo que chegou a cinelândia. e ela não desceria ali. aqueles dez ou quinze minutos pareceram uma vida. talvez tenham mudado uma vida. pior é que, devido às minhas referencias cinematográficas, closer não me saía da cabeça..

percebo agora que me esqueci dos óculos e a dor de cabeça já chegou. a ruiva? nunca mais vi. mas é impressionante como essas nanopassagens marcam e tornam-se referência. acho que esse é outro segredo de tostines: a vida é mesmo feita de pequenos e curtos momentos. às vezes, curtos demais.

domingo, 25 de dezembro de 2011

correio de natal

a guerra das malvinas [ou falklands, como insistem os caras “da ilha”] foi minha primeira incursão no que se transformaria em profissão. eu tinha nove anos, mas esperava o jornal todos os dias para saber o que tinha acontecido no dia anterior. a guerra não reservou grandes surpresas: a poderosa Inglaterra massacrou a Argentina e fez o que a lógica esperava de davi x golias. alguns anos passaram e vi “letters from Vietnam” [bill couturié, 1987]. pra mim, genial libelo sobre aquela guerra, do nível de "full metal jacket" [kubric, também de 1987]. o filme tem uma peculiaridade que humaniza a estória e aproxima o expectador: é todo narrado em off, por meio da leitura de cartas trocadas entre soldados, famílias e namoradas.

há um trecho que retrata a noite de natal de 1972, num ponto do mekong de que não me recordo bem [ainda não instalei internet em minha nova habitação, então, nada de confirmações googlianas]. americanos entrincheirados [e amedrontados, claro; a media de idade das tropas do tio sam era 19 anos..] de um lado, e vietcongs furiosos, eficientes e escondidos, do outro.

o combate comia solto quando, por volta de cinco minutos antes de meia noite, os tiros cessaram. em seguida, artilharia pesada de ambos os lados foi apontada para cima e uma sequência amalucada de tiros foi dada para o alto. um lado metralhava pra cima e o outro respondia da mesma forma, numa sinfonia pacífica bem no coração de uma guerra estúpida, lutada furiosamente por meio-homens e meio-crianças. ali, de forma impensável e não programada, em trincheiras imundas, meninos americanos e vietnamitas, famintos, celebraram o tal do natal.

o que teria feito cessar o ódio que contaminava corações e mentes daqueles povos, ainda que por um breve momento? a celebração de algo que nem é compreendido da mesma forma por cada cultura? que espírito é esse? será que eu nunca fui contaminado por ele?

para entender como é difícil suspender o ódio de alguém que se tenta vencer no campo de batalha, me lembrei logo do igualmente fantástico "the duellists". ridley scott fez essa jóia em 1979, antes de ganhar o mundo com blade runner. no filme, passado na frança napoleônica, dois sujeitos começam a se estranhar por besteira e passam a vida – no caso, mais de 40 anos se enfrentando. a honra de vencer o combate – e derrotar o oponente era bem maior do que os motivos que os levaram a se enfrentar.

recorro também aos ensinamentos milenares de sun tzu, bem resumidos na importância de se conhecer o oponente para vencê-lo. mas na passagem abordada não se trata disso. as duas partes se enfrentavam sem muita razão. americanos, com a patética alegação de conter o perigo do avanço comunista na região; o vietnam, para defender seu território. e naquela noite não havia a intenção vencer o inimigo, mas apenas de lembrar de uma festa que parecia acontecer há anos luz dali.

no dia seguinte, corações e mentes gelaram novamente. o ódio brotou junto com o sol do dia 25 de dezembro e, de uma hora para outra, o combate recomeçou. já escrevi sobre minha incompreensão dos festejos e do espírito natalino. mas a lembrança do filme me remeteu à ideia de que se trata, sim, de um período especial.

é hora de baixar o especial de natal da turma da mônica [década de 70, claro], tomar uma dose de tanqueray em um de meus copos novos e desembrulhar presentes e rancores.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

juno [ou, tempo de celebrar]

quando assisti juno [jason reitman, 2007], fiquei impressionado. com o talento da moça-com-cara-de-menininha helen page, com a delícia e a sensibilidade da estória – adaptada de obra escrita por uma ex-stripper [atende pela alcunha de diablo cody], sensível e bem mais profunda que a média do estilo; com o talento de michael cera, o desengonçado paulie bleeker. amigo e namorado de juno macguff, ele é “co-responsável” por sua gravidez. pai da coisa que vive em sua barriga, fio condutor da simpática estória.

juno é uma adolescente tipicamente questionadora, lado B. bonitinha, mas rebelde, exerce liderança natural no ambiente previsível da escola. dá trabalho aos pais e inspira atenção típica da idade. não foge à regra. o filme é simples, quase simplório. mas não me lembro de outra película que proponha, de forma tão natural, a discussão sobre tema ainda espinhoso em nossa ainda involuída sociedade: a gravidez adolescente. sempre cercado de tabus e estigmas, ele é abordado no filme de forma tranqüila, sem pressão, sem peso, sem culpa, ainda que bastante factível.

quando vi o filme, fiquei com inveja. que realidade era aquela?! total compreensão com uma gravidez não planejada, não desejada e, obviamente, precoce para os padrões normoides. pai compreensivo, madrasta amiga, colegas companheiros - ainda que naturalmente imaturos, e namoradinho sensível. em que planeta isso? tem de tudo no filme. sem sufocar, sem pesar, passeia-se por temas como políticas contraceptivas, educação sexual e reprodutiva. tendo trabalhado com o tema por tanto tempo, claro que fiquei intrigado..

mas, a partir de reflexão simples, concluo que tenho toda as vantagens de juno: fiz parte de uma turma meio-outsider, original e contestadora e meio-underground; e convivi com não uma, mas duas junos; duas “eles”. L. carioca, cerca de 27 anos, extrovertida, alternativinha e muito tatuada.. foi a primeira referencia no RJ. conheci assim que cheguei. gostos comuns, saímos diversas vezes. l. braziliense, 25, sensível, divertida, refinada, sensual. tornou-se amiga e, até certo ponto, confidente. o intrigante: com ambas, nunca ultrapassamos a fronteira da amizade. pitada de flerte, gotas de sedução, mas amizade acima de tudo.

na mesma brincadeira, lembro-me da amizade recente com o jovem a, dez anos cronológicos mais jovem, diferente em um caminhão de coisas. hoje, referencia profissional e, por que não, amigo de muitas horas.

por todos os paradigmas pulverizados, celebro a diferença. celebro as tatuagens, as origens esquisitas, os gostos idiossincráticos. celebro quem não gosta de the cure e quem não curte beatles. às vezes o universo “Juno” não revela superficialidade, mas a solidez de outro mundo, apenas diferente, meio desconhecido.

sábado, 26 de novembro de 2011

'stand by me' ludovicense – uma visita

já são 25 anos do verão quente e inesquecível de 1986, na grande são luís do maranhão. o contexto era a explosão da challenger, RPM e cometa halley. eu era um jovem atrapalhadamente tímido e orgulhosamente deslocado, o que reforçava hábitos pouco ortodoxos para um menino residente na beira da praria de uma pacata capital nordestina. um deles, cultivado até o presente, é o de ir ao cinema sozinho. sinto um prazer esquisito, sem explicação [nem tanto], e ainda pouco compreendido, que tem muito menos a ver com solidão do que com individualismo. naquele ano, fui ao cine tropical assistir à estreia de stand by me, atraído pelo roteiro do spielberg, pela música épica de john lennon e, claro, fascinado pelo trailler, assistido um mês antes.

no caminho da casa de minha vó [espécie de “base de operações”] até o cinema, havia um longo [ok, precepção pré-adolecente] terreno baldio que, se não podia ser considerado perigoso, era bem ermo. atravessávamos uns 2 kilômetros de mato, manguezais e estradinhas, para cruzar a segunda metade da ponta do farol [o bairro] e chegar ao cinema, uma das poucas diversões de então, para a juventude dourada da ilha do amor, não a do manezinho. eu tinha 12 anos e até então só havia ido ao cinema com amigos ou com meus pais; nunca sozinho. confesso que ponderei. tinha medo do caminho, não pelos motivos atuais, mais associados à violência gratuita e absurda – queimam-se índios e pais como quem fuma um baseado, mas receio de mim mesmo, de não achar o caminho, de não conseguir, de.. sei lá, medo. naquela época, andar sozinho me fascinava. eu associava liderança, esperteza, traquejo, aos meninos que andavam sozinhos, que iam à escola de ônibus, iam à praia surfar, sem os pais, sem ninguém.

pensei, reli a sinopse do filme: quem era river phoenix?! ah, mas tinha richard dreyfuss, de jaws e close encounters. “grupo de meninos parte em busca de um cadáver em aventura que mudará o curso de suas vidas”, dizia o cartaz. não sei se era apelação marketeira, mas não resisti e fui. e não aconteceu nada demais durante o trajeto. sozinho, a única diferença foi o tempo ter demorado mais a passar, só. chegando ao cinema, porém, me senti importante pra cacete! porra, tinha 12 anos e conseguira chegar ao cinema, a pé, sozinho. estava para completar uma grande aventura. senti excitação, felicidade, vontade de ir a pé a todos os.. trës cinemas da cidade. estava realmente feliz. o filme seria a sagração, o ápice do cumprimento dessa fase, mas apenas um detalhe, se comparado à conquista, àquele sentimento de superação tão relaxante, e que na mocidade é inesquecível. o enredo? aquilo mesmo: após o assassinato brutal de um menino na pequena castle rock, um grupo de amigos parte numa epopeia brancaleonesca em busca do corpo - até então desaparecido. descobrem muito mais.

ter visto a saga de gordie lachance e seus amigos, contudo, representou muito mais, marcou muito mais do que o esperado. foi minha entrada efetiva na adolescência. a partir daquela tarde quente de verão, filmes não seriam os mesmos para mim, e o caminho até o cinema não seria igual – já havia sido conquistado; eu passaria a não mais entender coisas, perceber fatos e pessoas da mesma forma. o efeito bombástico que a história tem na vida dos quatro amigos misturou-se à minha percepção da realidade. tal como lachance nunca mais veria castle rock da mesma forma, são luís havia mudado para mim, em uma tarde..
eu gostava de viver lá, mas a cidade começava, definitivamente, a encolher.

de são luís, fica a lembrança de uma época inesquecível, adolecência tranquila, solta e sem pressões, vivida entre a praia e o mangue. do filme, lembro da personagem de dreyfuss – lachance adulto, dizer que nunca mais teremos amigos como os que tivemos aos 12 anos. não sei se concordo, mas faz sentido. por que atualizar esse texto agora? estranho, mas hoje percebi que brasília começa a parecer menor..

sábado, 19 de novembro de 2011

procura-se eduarda


ovídio nasceu em 43 a.c. a data é longínqua, mas as reflexões do poeta sobre os mistérios, as complicações, as exaltações e as agruras do amor romântico parecem mais atuais do que nunca. por meio da poesia do livro III de seu épico “A arte do amor”, o italiano escreve sobre o que colocaria duas pessoas “na mesma rota”. o assunto parece meio repetido, mesmo no espaço do blog [de acordo com um raro diamante cor de rosa, eu usaria o espaço para terapeutizar monstros internos e, empoderado e protegido, enfrentar o mundo exterior e expor meus devaneios com mais legitimidade]. mas a cultura contemporânea fez várias contribuições para a análise da questão. uma delas, a película chasing amy [1997], ícone da cultura pop dos 1990.

o amalucado kevin smith já havia nos presenteado com clerks [1994] e contava com algumas produções autorais no currículo. mas em chasing amy o cara brindou com bom champagne à famosa geração X [não por acaso, a minha] e propôs uma reflexão simples, mas contundente sobre um tema que não pára de me fascinar: encontros, desencontros e reencontros. para quem já leu alguma coisa de alfred kinsey, biólogo que revolucionou a sexologia na década de 1940, talvez o filme não proponha nada novo. mas tem, sim, mérito. trabalhou com bons atores em começo de carreira, e discutiu a juventude dos anos 1990 com criatividade similar à do genial some like it hot (1959), de Billy Wilder. tem um Ben Affleck charmosão e loser, um amigo metralhadora giratória, sarcástico e igualmente loser, Joey Lauren Adams chatinha mas charmosa. a direção é ágil para a época, apesar de hoje parecer meio datada.

o enredo é simples: holden [Affleck] e alicia [Adams] são cartunistas ilustradores que se apaixonam a partir de um encontro pouco usual. mas os dois têm passado tão similar como sérvios e croatas. além disso, ela é lésbica. ou melhor, bissexual. holden não tem maturidade para encarar sua orientação nem seu passado. a maneira idiossincrática como a estória se desenrola desestabiliza a relação fraternal de holden com banky, melhor amigo, roomate e também cartunista. há momentos memoráveis - como o que holden propõe um threesome entre eles, para nivelar experências. mas também há reflexões sérias sobre temas sérios, como a hora em que holden se declara e ela, furiosa, acha injusto, exatamente por se considerar lésbica e bem resolvida quanto a isso. e alicia realmente era. mas preciso é navegar.. viver é outra coisa.

a condução do filme é leve, descomprometida, gostosa, genial. holden não consegue processar o passado “sortido” de alicia, que viveu as loucuras da mocidade e também transou com homens nos primórdios da faculdade. a previsível e patética insegurança de nós homens brota com força. em determinado momento, um amigo discorre sobre o platonismo da paixão, e sobre como procuramos – em vão, claro, por uma alma gêmea, um par perfeito. cita o exemplo de um amigo que se apaixona por uma tal amy. eles namoram até o cara terminar a relação por ciúmes. quando ele finalmente entende a merda que fez, claro, passa o resto da vida procurando por sua Amy..

a insegurança de holden cristaliza-se e acaba por minar a relação, estraga a beleza do encontro. criticá-lo seria cruel: quem, envolvido de cabeça em uma relação amorosa tem total controle sobre ela? no máximo, se conduz a própria participação.. parece mais do mesmo? sim, claro. quem já não viu esse fime? talvez a tônica da existência seja mesmo uma eterna, cruel e ingrata procura pela amy de cada um. pela felicidade. pela redenção da imaturidade, da burrice.. do desencontro. mas o caminho até essa percepção é cruel e as dificuldades, plurais. não podemos, assim, complicar o que já é difícil. que cada um corra [ou não] atrás de sua amy e liberte-se de preconceitos, fórmulas e traumas: agarre-a!!! que se busque uma relação passional, mas justa, sã, equilibrada.

por fim, não se pode desprezar a possibilidade de a Amy estar.. em cada um de nós. mais ou menos, a tese dos escritos apócrifos de são tomé: crê num pedaço de madeira e a felicidade lá estará. ninguém precisa de intermediário para a plenitude.

sábado, 12 de novembro de 2011

cachorro, gato, galinha..


foi um marco temporal, surpreendente: meu irmão caçula se casou. ele, que há pouco passava horas entocado no quarto jogando e discutindo com o video game, contraiu matrimônio. confesso que surpreendeu um pouco o traço ritualístico do meu irmão, nunca pensei que ele fosse assim. mas foi lá, todo bem vestido, todo decorado, todo safo e tchumpf!! aceitou a moça com sua legítima esposa. tudo normal até aí. a cerimônia teve família, bem-casado, salgadinho, parte religiosa e tudo. mas despertou minha atenção para algo em hibernação em minha pessoa: o sentimento de união familiar, de agregar, de juntar.

sempre concordei com o escritor japonês nairamo nisoda: a família como eixo inconteste da formação de nosso caráter é superdimensionada; valores individuais são o que realmente importa, e laços consangüíneos não devem e não podem ser mais fortes que a identificação por afinidades. é ela que dá “liga” às uniões no mundo contemporâneo. pelo menos deveria. é ela – ou sua falta, também, que decreta o fim prematuro de uniões, românticas ou não. mas a porra da família está lá, para o bem e para o mal. é nela que residem, quase sempre, as primeiras causas de nossos primeiros traumas e ela é a primeira referência de segurança, de porto seguro. e lá estava parte considerável da minha família, com boas e esquisitas surpresas.

um eixo inquestionavelmente agregador: meu pai. alem da óbvia alegria por um reencontro que no meu caso já aguardava cinco anos, sua presença juntou o clã e trouxe tias loucas e primos mais loucos ainda para a mesma mesa. sensíveis tendem a sensibilizar.. os mais sensíveis. como meu primo policial federal. simpatia em pessoa e essencialmente bom, naquela noite, ele, que é “juntado” há vários anos, disse que se casaria apenas para ter o prazer de juntar gente tão querida. foi legal demais ver meu pai conversar com mike, o desequilibrado gente fina de boa alma de quem sou amigo há quase 20 anos. foi surreal conversar – sem estimulação etílica com sua mulher sobre filhos, paternidade por afinidade, planejamento etc.

foi sensacional ver meu irmão de bom coração desmanchar-se e declarar ter sido aquele um dos momentos mais emocionantes de sua vida.

capítulo à parte, foi muito especial ter a companhia de minhas enteadas, vestidas como ”daminhas”. a mais velha, genuinamente emocionada e hipnotizada com o rito, com o altar, acompanhava cada movimento com atenção quase passional. enxergo uma fonte inesgotável de sensibilidade na menina; a caçula olhava tudo com charme peculiar – de soslaio, parecia debochar de tudo, mas com classe e curiosidade. foi a nota cômica: segundos antes de entrar na igreja, ela puxa minha gravata e sussurra – andré, preciso fazer xixi. e assim, quebra-se todo o protocolo e noiva, mãe da noiva, noivo e demais bonequinhos efeitados aguardam enquanto eu a ajudo a se livrar de camadas e camadas de “náguas”..

apesar de minha incompreensão com o rito em si, reconheci a importância de juntar a família, de celebrar altruisticamente a felicidade de alguém próximo. contrariando meus prognósticos, fiquei até o fim. não doeu, não incomodou. ao ir embora, opa! havia drambuie. duas doses mais tarde, era hora de chegar em casa a tempo de ver o sensacional chasing amy. mas isso é assunto para outro post.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

justiça seja feita



isso não é um post. não é um texto. não propõe discussões originais. trata-se, apenas, de reconhecimento [ou homenagem] ao amigo cliffor, cara que enxergou - pudores moralistas às favas, potencial em natalie portman, desde o excelente beautiful girls [ted demme, 1996]. ela só tinha 13 anos, mas não é possível que ninguém mais enxergasse que a menina se transformaria.. bem, naquilo em que ela se transformou.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

alquimia

há cerca de vinte anos tive acesso a um manuscrito intrigante: “a alquimia das paixões”, do mestre ovitac sorrab. acho que o livro nunca foi publicado, mas isso não vem ao caso; me chamou atenção para um tema inusitado: o momento em que duas pessoas se notam, percebem-se no meio da multidão, e se aproximam, se conectam. seria, a meu ver, a conclusão bem sucedida da fase de flerte. mas o que faz dois estranhos cruzarem o olhar no meio da multidão? por que a pessoa com quem trabalho, convivo, tomo café, me reúno, discuto besteiras – como a reforma do prédio, e coisas importantes – como a crise da grécia, de uma hora para outra, transforma-se em uma pessoa interessante, atraente? mérito dela ou mérito e espírito aberto de quem nota? mérito do acaso? obviamente estou bem distante de respostas para essas questões. sei que o momento de ambas é determinante para a evolução do encantamento, para a efetivação do flerte. e para a paixão. a simples procura por uma explicação mostra-se um exercício delicioso.

me lembro da boa história de bram stoker’s dracula. a certa altura, o conde, transmutado em lobo, possui lucy, a prima ruivinha de mina, sua alma gêmea. entreolham-se e mina, horrorizada, é hipnotizada pelo bicho. drácula conclui que não, ele ainda não poderia interagir com seu amor. dezenas de páginas mais tarde, ao desembarcar em uma charmosa Londres vitoriana, o conde está elegantíssimo, de fraque de veludo, cartola e luvas de pelica. assim que desce de sua carruagem, lá enxerga mina. dessa vez, ele atrai sua atenção para que os olhos se cruzem. faz questão de ser visto, notado. a versão para cinema, de coppola [o pai] é ótima e retrata bem essa passagem.

a “alquimia das paixões” combina vários elementos não encontrados na tabela periódica, para explicar a tal relação entre encontros, desencontros e reencontros. claro que frustrações e projeções reproduzidas historicamente, por vezes, complicam nossa capacidade de apreciar os sinais emitidos pela outra pessoa. nessa hora, vale prestar atenção na linguagem corporal, nas nano-dicas, na sintonia fina e nos sinais conscientes e inconscientes emitidos. podem ser percebidos no club da moda, no avião, na padaria, na feira ou no pet shop. despertam a atenção do outro, com base em critérios racionais – "fulana tem cabelo curto e eu acho charmoso", ou nem tanto – "tenho de encontrar aquela ruiva com o símbolo do infinito tatuado no pulso esquerdo, que todo sábado dança - senhora de si no canto direito da pista da casa da matriz. de frente para o dj e de costas para o público".

o mais importante: quem determina se vai acontecer, o que vai acontecer, e quando vai acontecer é mesmo o timing.. mais importante que a estética, o tesão, ou mesmo as afinidades, o timing cruza olhares e dita as possibilidades de cada relação. é ele que pode decretar a morte prematura, a simples sobrevivência, ou a explosão da paixão. aí não há como não lembrar, mais uma vez, do casal jesse&celine, de before sunrise/sunset. com 22 anos, brincaram com o destino, por achar que se tem todo o tempo do mundo e que esbarraremos sempre em pessoas especiais.. isso é um absurdo. dez anos depois, reconhecem a estupidez da mocidade. e pagam alto preço por ela..

fui ao show do the cure em são Paulo, 1996. naquele frio 23 de janeiro conversei com um casal quarentão de BH que havia se conhecido no show da banda no ginásio mineirinho, em 1987, quase dez anos antes. estavam juntos desde então. pareciam genuinamente felizes, leves. inveja boa. seria uma bem sucedida história de amor, ou um exemplo corriqueiro de união que deu certo, a partir da aproximação.. flerte por afinidades musicais? vai saber.

o passado nos constrói e o futuro nos guia, mas a essência é o presente que vivemos, ou, que escolhemos viver. esse presente é – ou deveria ser um somatório de infinitas possibilidades. fiquemos atentos: talvez uma dessas possibilidades revele alguém que merece ser notado e dê chance a uma experiência fantástica..

sábado, 1 de outubro de 2011

sonhos&devaneios numa terça de manhã. [parte 1]


tempo seco em brasília, oito da manhã. eu saía da 410 em direção à 407. sul, claro. estava sem propósito, ainda que não tivesse tempo para jogar fora: começo no trabalho às 9h em ponto. naquela ocasião, eu pensava em coisas da vida, sem expectativas. apesar da terça-feira quente, decidi tomar um expresso antes do trabalho. ao virar a esquina, digo, a entrada da quadra, me lembrei da grão mestre. bom lugar para um café, uma lida no jornal, um pão na chapa e um pouco de sol. ao chegar lá, logo encontrei mesa. pela hora, não havia concorrência para as cadeiras.

sentado, folheio a interessante autobiografia do keith richards [life], enquanto espero pela simpatia das moças que servem. no local, apenas as presenças “padarísticas” habitualmente imperceptíveis. olho para a mesa ao lado.. quase me queimei! putaquepariu, eu tomei LSD ontem? não, eu sei que não. mas.. peraí! era ela mesma: sofia copolla, em carne e osso! virgins suicides, marie antoinette e.. o cerebral lost in translation. tomando café com pão de queijo, enquanto escrevinhava alguma coisa num moleskine bem usadinho. na grão mestre. em brasília. logo ali.

a moça tinha um cabelo meio desgrenhado e fundo de garrafa pretinho, camisa branca de manga curta [com botões], calça risca de giz. não estava de all star mas exibia um sapatinho vermelho de boneca, típico de 1996. esmalte vermelho nas mãos, ela era muito branca, meio baixinha e muito, mas muito mais charmosa do que eu pensava. como sói acontecer, a beleza não era proporcional ao charme. o tempo passava, e ela continuava escrevendo naquele caderninho. concentrada, fazia umas coisas esquisitas com a boca: mordiscava o lábio inferior. enquanto acabava o segundo café, não agüentei:
- excuse me, can i borrow the chair? foda, mas a timidez há muito deixou de ser minha amiga. não perderia a chance de ver os dentes da jovem.
- pode falar português, eu entendo - putz.. viagem pra ser viagem, tem de ser.. viagem! ela falava português.
pra jogar conversinha fora, comentei que adorava lost in translation. ela sorriu como quem encontra a brasserie rosario aberta em dia quente, e agradeceu. eu já não entendia nada, mas entrei na viagem: pedi um instante e avisei no trabalho que havia tido uma emergência: não voltaria naquele dia. recuperado do susto, perguntei logo o que bill murray susurra para scarlett johanson ao final do filme. ela sorriu e mandou:
- você acha o filme charmoso?
- pra caralho.
- gosta daquela sequência do susurro?
- acho poesia em um filme perfeito, econômico.
- pois bem. se eu te disser, todo o charme se perde.
não é que a esquisita tem razão? claro! adorei ser enrolado por sofia. e aproveitei o ensejo:
- você tem tempo, minha jovem?
- tenho. estou acabando umas anotações mas fico em Brasília até amanhã.
- quer tomar café num lugar legal, intimista, mais charmoso? – mandei, sem papas. ela sorriu um sorriso engraçadinho.. [porra, eu tava no céu!]
- você conhece Brasília? – ela indagou em tom “metralhativo”.
- sim. nasci aqui. não tenho gigantesca simpatia pela cidade, mas se pode curtir bastante algumas coisas. como o CCBB, por exemplo. é um complexo artístico e cultural, mantido pelo maior banco estatal brasileiro. ela gostou. paguei a conta e fomos – no meu accent 1996 conferir a programação de mostras.

a tarde foi deliciosa: ouvimos choro [estrangeiros devem conferir o estilo, tão brasileiro quanto o samba], comemos no café do local e conversamos bastante. ainda veríamos a exposição sobre um modernista esquisito daqueles. mostrei-lhe a UnB e depois alguns pontos turísticos, como o palácio do itamaraty. e o café? apostei na boa certeza: Ernesto, na 115 sul. parece um mini-enclave de palermo soho. lugar transado, cafés criativos e bem tirados e simpatia avassaladora de Juliana, a proprietária. vale a dica. enquanto dávamos conta de alguns caffé lattes e uns bolinhos de sabor convidativo, conversamos muito. o fim da tarde gostosa foi decretado por Sofia:
- acho que para um devaneio, está de bom tamanho..
- hã?! – devolvi. como assim? agora que estava ficando delicioso?!
- é assim, porque boas viagens são assim: curtidas, vividas, verdadeiras [não necessariamente reais..], e aproveitadas. putz, beleza.
- mas e agora? posso ao menos ter seu telefone? [eu simplesmente tinha de perguntar!]
sofia, não-linda, não-gostosa, mas maravilhosamente charmosa, sorri com metade da boca [como a chata da katie holmes fazia], mexe no cabelo, se aproxima e, tocando meu rosto, sussurra meia frase arrebatadora..
ah, sacana!! como escutar aquilo e não se apaixonar?

tudo bem, como diz maria luíza: “é tempo de retornar”..

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

pra quê a pressa?





enquanto acessava minha conta bancária [putz..], recebi uma nova demanda no trabalho. colegas ansiosos produzem um ambiente de ansiedade. quando o chefe não padece dessa moléstia contemporânea, os estressadinhos sobressaem-se. num desses momentos em que o stress impera, meu inconsciente trabalhou bem e me lembrei de uma passagem narrada em família desde os idos de minha infância. meu pai sempre contava histórias de um amigo antropólogo, o marins. eu era muito criança para fazer associações maduras, mas o humor e a inteligência do cara tornaram-se uma referência para mim.

quando cresci, descobri que o marins é luiz antônio marins filho, PhD e antropólogo formado pela Macquarie University. orientado pelo também antropólogo prof. dr. chandra jayawardena, licenciou-se em história. estudou também direito, ciência política, negociação, planejamento e marketing. atualmente fatura alto em palestras motivacionais para empresas. e daí?

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no batido intuito de refugiar-se e procurar respostas definitivas para perguntas essenciais, algo latente em todos nós [vivas a são tomé!], e para dar vazão à veia antropológica, marins partiu numa jornada solitária [vivas a alex supertramp!] lá pelos idos dos anos 1970. decidiu refugiar-se no distante território dos aborígenes, no árido e desértico interior australiano [no caminho entre darwin e adelaide as temperaturas passam de 50ºC]. à época, eles viviam como os yanomamis amazônicos nos anos 1980: quase sem contato com a civilização. preservavam hábitos e costumes seculares e cultivavam lavoura de subsistência – plantavam o que podiam para matar a fome, dedicavam-se a algumas culturas primárias e, em especial à caça. a fome era realidade.

na região, predominam os Dromaius novaehollandiae, ou emus. primo da brasileiríssima ema, o bicho é símbolo de prosperidade e associado pelos aborígenes a um sem número de ritos sociais e culturais. durantes alguns meses por ano, é seu único banquete. por isso, tudo, todos os processos, da mudança do tempo aos rituais de passagem dos aborígenezinhos, era associado ao emu.

marins encontrou muita resistência à sua integração com o povo, mas após alguns meses, estava completamente inserido na cultura e nos hábitos da tribo. fazia as refeições junto do pajé e dos sábios e lhe era sempre conferido lugar de destaque nas discussões mais importantes do povo.

o ritual da primeira caçada era a manifestação mais importante para aquele povo: o emu mobilizava toda a comunidade. mulheres pintavam-se e se enfeitavam. meninos eram treinados física e psicologicamente para enfrentar testes e provas exaustivas para ingresso na fase adulta, peças eram encenadas, cerimônias realizadas e casamentos celebrados com inspiração na primeira caçada ao emu. marins sentiu, ao longo dos meses que seguiram, a importância do animal para a tribo. a fome, as dificuldades, o calor insuportável, tudo era minimizado enquanto se preparava para a primeira caçada ao emu.

chegou o dia. quando batedores rastrearam o bicho, todos os homens da tribo partiram em expedição para caçá-lo. na frente, os batedores mais experientes, os mais velhos, o pajé e marins, como convidado de honra – já ganhara a confiança, o respeito e a admiração de todos. no segundo dia da expedição, eis que ele, o antropólogo maluco, enxerga o primeiro emu. ele vira para o restante da expedição e, aos berros incontidos, não segura a emoção:
- “o emu, o emu!! “ali, ali na frente, atrás daquele arbusto”!!! um emu, eu vi um emu”!!!
o pajé, do alto de seus cronológicos oitenta e tantos, vira para marins, dá um sorriso maroto e diz:
“meu filho, olhe à sua volta: o emu está caçado há meses”..