domingo, 25 de dezembro de 2011

correio de natal

a guerra das malvinas [ou falklands, como insistem os caras “da ilha”] foi minha primeira incursão no que se transformaria em profissão. eu tinha nove anos, mas esperava o jornal todos os dias para saber o que tinha acontecido no dia anterior. a guerra não reservou grandes surpresas: a poderosa Inglaterra massacrou a Argentina e fez o que a lógica esperava de davi x golias. alguns anos passaram e vi “letters from Vietnam” [bill couturié, 1987]. pra mim, genial libelo sobre aquela guerra, do nível de "full metal jacket" [kubric, também de 1987]. o filme tem uma peculiaridade que humaniza a estória e aproxima o expectador: é todo narrado em off, por meio da leitura de cartas trocadas entre soldados, famílias e namoradas.

há um trecho que retrata a noite de natal de 1972, num ponto do mekong de que não me recordo bem [ainda não instalei internet em minha nova habitação, então, nada de confirmações googlianas]. americanos entrincheirados [e amedrontados, claro; a media de idade das tropas do tio sam era 19 anos..] de um lado, e vietcongs furiosos, eficientes e escondidos, do outro.

o combate comia solto quando, por volta de cinco minutos antes de meia noite, os tiros cessaram. em seguida, artilharia pesada de ambos os lados foi apontada para cima e uma sequência amalucada de tiros foi dada para o alto. um lado metralhava pra cima e o outro respondia da mesma forma, numa sinfonia pacífica bem no coração de uma guerra estúpida, lutada furiosamente por meio-homens e meio-crianças. ali, de forma impensável e não programada, em trincheiras imundas, meninos americanos e vietnamitas, famintos, celebraram o tal do natal.

o que teria feito cessar o ódio que contaminava corações e mentes daqueles povos, ainda que por um breve momento? a celebração de algo que nem é compreendido da mesma forma por cada cultura? que espírito é esse? será que eu nunca fui contaminado por ele?

para entender como é difícil suspender o ódio de alguém que se tenta vencer no campo de batalha, me lembrei logo do igualmente fantástico "the duellists". ridley scott fez essa jóia em 1979, antes de ganhar o mundo com blade runner. no filme, passado na frança napoleônica, dois sujeitos começam a se estranhar por besteira e passam a vida – no caso, mais de 40 anos se enfrentando. a honra de vencer o combate – e derrotar o oponente era bem maior do que os motivos que os levaram a se enfrentar.

recorro também aos ensinamentos milenares de sun tzu, bem resumidos na importância de se conhecer o oponente para vencê-lo. mas na passagem abordada não se trata disso. as duas partes se enfrentavam sem muita razão. americanos, com a patética alegação de conter o perigo do avanço comunista na região; o vietnam, para defender seu território. e naquela noite não havia a intenção vencer o inimigo, mas apenas de lembrar de uma festa que parecia acontecer há anos luz dali.

no dia seguinte, corações e mentes gelaram novamente. o ódio brotou junto com o sol do dia 25 de dezembro e, de uma hora para outra, o combate recomeçou. já escrevi sobre minha incompreensão dos festejos e do espírito natalino. mas a lembrança do filme me remeteu à ideia de que se trata, sim, de um período especial.

é hora de baixar o especial de natal da turma da mônica [década de 70, claro], tomar uma dose de tanqueray em um de meus copos novos e desembrulhar presentes e rancores.