sábado, 15 de junho de 2013

before midnight

certa vez esbarrarei, confuso e imaturo, num cartaz do finado e saudoso cine márcia, que me chamou atenção. o filme era sobre o encontro casual de dois jovens durante uma mochilada pela europa. entrei e arrisquei. toda a história se passava em uma noite e nesse intervalo, jesse e celine [personagens de ethan hawke e julie delpy] se apaixonavam. roteiro bobo e muito simples, orçamento baixo, poucos atores no cast. a fórmula era imprópria para o sucesso, mas foi certeira para encantar uma geração inteira. verborragia, por vezes, para envolver o expectador na trama do jovem casal. era 1995 e eu tinha os mesmos 22 anos de idade dos protagonistas. talvez isso tenha facilitado identificação imediata com before sunrise. foi a quintessência da fantasia da paixão avassaladora. a fórmula bombástica foi um estrondoso sucesso de crítica. nove anos depois, richard linklater, diretor da primeira película, traz a continuação – before sunset. o mote era tentar explicar [ou, propor uma explicação] o que teria acontecido com o casal depois de Viena. linklater usa o filme para discutir escolhas sérias e difíceis, que acabam por nortear toda a nossa vida. os diálogos amadureceram com os personagens e a ligação entre os dois é adulta, madura. jesse e celine tinham 31 anos e agora as consequências das escolhas machucam ainda mais. na película linklater fez uma ode à maturidade do grande amor. o final do filme revela conexão perfeita entre os dois. mas, apesar da sugestão velada, paira uma dúvida sutil no ar: o que teria acontecido com eles? ficaram juntos? jesse embarcou para NY? ficou em paris? o hiato oficial dura nove anos, até.. linklater assume novamente a direção para dar vida à terceira [e última?] parte da história - before midnight. temos, os personagens e eu, 40, 41 anos de idade. jesse e celine vivem juntos e têm um casal de gêmeas. henry, filho da primeira mulher de jesse, vive com a mãe em NY. o fantasma neurótico da primeira mulher do cara – deixada por ele quando se une à celine em paris, é apenas o gatilho para a grande crise do casal. dessa vez, eles pagam - à prestações - um preço alto pela escolha que fizeram e pela aposta em viver o grande amor. construíram uma vida a dois e, em cima disso, linklater dá um Wasari para mostrar que não existe relação ganha, “acabada”. é até meio piegas, mas o fim é apenas o começo. o odioso “felizes para sempre” é um crime sustentado, herança maldita reproduzida e fortalecida por nossas famílias, escola, amigos, literatura e o caralho. jesse e celine estão de férias na Grécia [locações paradisíacas] e graças a amigos, ficam sem filhos durante uma noite em um hotel de luxo. é durante esse começo de noite que a essência da discussão acontece. jesse e celine têm uma clássica – nem por isso menos dura, realista, cruel e surpreendente discussão. nela, questionam as escolhas que fizeram, desde que se conheceram. repensam a relação, fazem críticas e confissões. o ritmo do filme lembra a segunda parte. mas os diálogos amadureceram, são reflexo de situações, links e referências mais maduros – e complexos entre os personagens. as dúvidas sobre o que teria acontecido em paris, nove anos antes, dissipam-se. as incertezas sobre o futuro do agora casal multiplicam-se. sim, jesse ficou em paris com celine. fez a opção que todos esperavam e pela qual todos torceram. certa vez li que “crescer é a arte de fazer escolhas”.. eu adicionaria: “..e bancá-las”. o filme machuca sólidas crenças, ao vomitar na cara de todos que sim, existe amor. mas ele não é um fim em si mesmo, e se parece com o conceito de felicidade: é muito mais processo que resultado. deve ser vivenciado, inclusive – e especialmente em nano-momentos da vida cotidiana, durante uma escovada de dentes, ou ao assistir o teatrinho da escola do filho. deve ser conquistado dia após dia na relação e o sentimento deve manter nossa atenção plena [vivas ao budismo], para corrigir rumos enquanto implementamos a relação. a vida costuma imitar a arte. e de vez em quando, a arte sugere que a porra da vida é foda. vale a pena, é linda, pode ser até bem feliz. desde que entendamos que o segredo é não glamourizar ou idealizar em excesso, e, o principal: não projetar em ninguém. cada um que leve sua própria bagagem de neuras e coisinhas mal resolvidas. talvez não consigamos resolver cada nódulo psicológico de imediato, mas que tenhamos consciência deles!! e se encontrarmos um/a companheiro/a de jornada – por qualquer intervalo de tempo que dure a relação, ótimo! compartilhemos experiências, crises, esperanças, deleites, prazer, sopas e sushis. relevemos eventuais frustrações provocadas pelas clássicas projeções. amor eterno, traição, exclusivismo, diferenças. tudo é verniz. não é nossa construção desses conceitos que “dá liga” a um encontro romântico, mas nossa capacidade e habilidade para viver a relação. é isso. não se deve tentar perpetuar o encantamento da paixão nem lutar contra a rotina, isso é remar contra a corrente. aprendamos a vivenciar o deleite e a curtição do encontro, nos [às vezes pequenos] espaços que o cotidiano permite. para isso, talvez seja preciso desmistificar de uma vez todas, sim, o amor romântico imediato. assim, temos mais chance de alimentar – e curtir a felicidade plena numa relação de longo prazo.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

muito além do obiwan

outro dia paguei uma dívida comigo mesmo: assisti the bridge on the river kwai [david lean, 1957]. é um daqueles clássicos dos quais ouço falar desde criança e que nunca havia tido paciência para sentar a bunda num sofá e assistir. ouvia sempre que se tratava de um “clássico de guerra”, apenas isso. pois bem. o filme é parado, datado e arrastado.. mas memorável. narra a construção de uma ponte [sobre o rio kuwai, no que seria hoje Kitulgala, no Sri Lanka (antigo Ceilão)], por prisioneiros ingleses durante a segunda Guerra. lá, eles sofrem abusos, torturas e humilhações. trabalham de sol a sol e passam fome, num clima de constante tensão física e psicológica, imposta pelos algozes nipônicos. a chegada de um novo grupo de “hóspedes” britânicos – dentre eles, colonel Nicholson ou, sir alec guiness muda a rotina do local. tensões são acirradas e crescem na medida do embate entre Nicholson e saito, o cruel e insensível coronel japonês, que comanda o campo com mãos de ferro. no começo, a disputa é óbvia entre ambos. até o momento em que a relação muda de tom, e surge uma combinação crescente de respeito e admiração mutua entre os comandantes. e aí sobressai o gênio e o talento de sir Alec. nascido em abril do primeiro ano da primeira guerra, em marylebone, londres, guiness estudou no fay Compton studio de arte dramática e estreou nos palcos em 1934. o primeiro papel de destaque veio como herbert pocket, numa versão de great expectations de 1946. a partir daí, guiness começou a chamar atenção, em especial, por sua incrível habilidade de mudar a aparência e incorporar cada papel interpretado. mais ou menos como robert de niro sem as bocas caricatas que desde muito cedo marcaram seus papeis. o apogeu veio como o mestre jedi obi wan Kenobi, em star wars [1977] e sequências. sua versatilidade rendeu-lhe, inclusive, a chance de interpreter uma mulher no esquisito kind hearts and coronets [1949]. foi indicado ao oscar por 6 vezes [incluindo uma como roteirista], das quais levou duas estatuetas: por the bridge.., e como o velho Obi Wan em star wars. ganharia também um oscar honorário em 1980. a classe o talento de guinness seriam vencidos por um cancer no fígado em 2000, encerrando um capítulo elegante do cinema falado. ele teve um filho e trabalhou ativamente por 62 anos. há quem diga que seu título de Sir foi um dos três mais justos do século XX, juntamente com winston churchill e paul macartney. faz sentido. como diria o próprio guinness, no papel de obi wan: "the force is extremely strong in this one".. e era mesmo. pra retomar, tá bom.