sábado, 6 de setembro de 2008

o que as mulheres querem?

quase não assisto mais TV. no caso de TV aberta, as exceções são um pedaço eventual de jornal nacional, o final de bom dia brasil, enquanto amarro os sapatos antes de sair para o trabalho e, de vez em quando, um jogo de futebol. mas um dia desses, assisti what women want - o que as mulheres querem. bem bobo, despretensioso e engraçadinho. mas o título tem força, provoca. já o havia assistido há uns dois anos no cinema, mas não contava com a percepção, digamos, mais madura que tenho hoje. comecei a prestar atenção nas entrelinhas. mel gibson está ótimo como quarentão conquistador que, depois de um acidente, desenvolve a habilidade de escutar o pensamento das mulheres. boa escolha, já que o ator equilibra bem sua veía cômica com charme um pouco canastrão. a linda e oscarizada helen hunt é sua concorrente no trabalho e par romântico - sou seu fã desde o belo e injustiçado stealing home, de 1988.

o filme acabou me estimulando a reflexão: e se fosse realmente possível? o que aconteceria? o sujeito que possuísse o dom seria um ‘deus’ com o sexo oposto? não necessariamente. gente idiota com mais dinheiro é apenas gente idiota gastando mais em coisas idiotas, maximizando seu potencial de ser idiota. provavelmente um idiota com esse dom, seria apenas um idiota a mais, escutando coisas idiotas de mulheres idiotas e não percebendo coisas interessantes de mulheres interessantes. sua experiência de vida e referenciais não lhe permitiriam prestar realmente atenção nos anseios e nas angústias do sexo oposto.

no filme, o x da questão é exatamente não haver um x. mel gibson descobre o óbvio ululante: a habilidade de ler o pensamento das mulheres serve bem para mostrar como os dois gêneros têm percepções e expectativas diferentes em relação ao outro, mas os sentimentos os colocam de forma curiosamente insegura frente ao sexo oposto. é exatamente a insegurança o ponto que nos aproxima. porra, se o mundo se convecesse disso! os sentimentos são parecidos, mas não se pode igualá-los. em geral, as mulheres querem um provedor, mas que as respeite, as estimule no trabalho, entenda sua cabeça e as complete sexualmente. já os homens querem uma gigantesca aventura, que dure o tempo em que durar a relação, o casamento, o namoro. mas que entenda sua poligamia crônica.. querem uma mulher safada o bastante pra despertar seu lado animal, macho. mas essa mulher tem de ser caseira e pudica o suficiente para contemplar uma expectativa socialmente construída ao longo dos anos, e que se refere à figura da reprodutora. e pior que esse é um dos casos em que o evoluído “caminho do meio” é muito difícil de ser atingido. por isso encontramos mulheres insatisfeitas em casamentos enferrujados e homens casados para quem ter amantes é algo tão natural como comprar cerveja. afinal, com tanta coisa importante na vida, para quê se preocupar?

o fato é que nos tornamos tão preguiçosos e acostumados à rotina, que muitos homens e mulheres têm dificuldade para perceber a imperfeição absoluta do modelo sócio-cultural de relação, institucionalizado no ocidente. a revolução sexual cumpriu seu papel, teve seu revés, deu tiro no próprio pé feminino mas conseguiu, de fato, alguns avanços muito significaivos. no entanto, acabou isolando mais as pessoas e as contribuições excepcionais de “marias da penha” creditam-se mais ao brilhantismo de agentes isolados como essa senhora, do que ao êxito de políticas públicas ou mesmo de mudanças estruturais nas relações sociais. afinal, a regra para a grande maioria ainda é: nascer, crescer, arrumar emprego, casar-se e conseguir um financiamento habitacional. e pronto, missão cumprida. será?

esse modelo é percebido e apreendido de formas diferentes pelos gêneros, apesar das semelhanças. mas em meio a esses desencontros, entendo como ponto pacífico o fato de que todos esperam encontrar alguém. varia a intensidade com que o mito venenoso da “alma gêmea” é internalizado. mas infelizmente ele ainda é entendido como verdade insofismável. homens e mulheres o perseguem, ainda que de formas distintas, mais ou menos assumidas.
mas se a meta é comum, porque há tantos desencontros e dificuldade para aceitar a maneira como cada um entende e se encaixa nessa busca? há diversas possíveis explicações.

penso que uma delas esteja exatamente na maneira como llidamos com a solidão. associou-se, historicamente, solidão à tristeza, ao insucesso, ao fracasso. mas estar sozinho pode não necessariamente significar ser solitário. o que deveria ser uma simples, tranquila, corriqueira hipótese na vida solidificou-se como um dos piores medos contemporâneos: viver só. mas pais e professores se esquecem de nos contar que a matemática da alma gêmea é um pouco mais cruel do que parece: nem todas as pessoas encontram um par com quem valha a pena dividir um filme, impressões [inclusive sobre a solidão] e, quem sabe, as escovas de dentes. menos pessoas são realmente felizes com esse par, tendo nele[a] um[a] companheiro[a], alguém com quem têm prazer em conviver e não um foco de stress e pequenas disputas. que bom que há yoga e bons psicólogos..

para sermos felizes - homens e mulheres - as relações devem ser “desidilizadas”, de certa forma, até desglamourizadas. devemos vivenciar um romance de forma gostosa, prazerosa, mas real, admitindo, inclusive, a possibilidade de essa paixão cinematográfica nunca acontecer. é louco, mas quando assumimos e aceitamos essa possibilidade, as chances de vivermos uma relação assim são bem maiores. é esse o propósito, é o que eu busco. acho que é o que as mulheres - às vezes inconscientemente - querem.