sábado, 16 de agosto de 2008

the graveyard sisterhood [para ana guerra]


às vezes nos perguntamos “e se..”, ou “e se não..” quando percebemos uma oportunidade não aproveitada. esta pode ser uma proposta de emprego ou um romance não vivido graças, em regra, a uma decisão equivocada. eu odeio essas perguntas! elas revelam que fomos habilidosos o bastante para reconhecer a oportunidade, e inexperientes, incompetentes ou medrosos o suficiente para não experimentá-la – é o que chamo de ‘efeito before sunrise’. e às vezes isso acontece pela simples falta de.. dizer algo.

sou fascinado por guy de maupassant e seu suspense não-óbvio e às vezes aterrador. tenho particular paixão pelo conto the graveyard sisterhood [perdão aos xiitas do título original, mas não falo francês e só tenho uma edição britânica ‘penguin books’ de guy de maupassant- selected short stories]. é a história de um sujeito – joseph de bardon - que conhece uma jovem encantadora e misteriosa no cemitério de montmartre. ao longo de uma curta narrativa, bardon deixa-se envolver pela jovem, sem saber absolutamente nada sobre ela, a não ser que chorava sobre o túmulo de um certo capitão da marinha. a partir de um curto, enebriante e sedutor contato entre eles, não há troca de juras, informações ou mesmo experiências: há apenas sedução velada, elegante, sem despedidas. não há marcos temporais. bardon apenas entrega-se, sem acreditar na possibilidade de não mais voltar a vê-la.

bardon fica encantado com a mulher. elucubra, conjectura, volta ao cemitério outras vezes na esperança de encontrá-la até que.. a vê, acompanhada de um elegante senhor. com um gesto quase imperceptível de cabeça, ela sugere que ele não a cumprimente.. e a parte final do conto corresponde às indagações de quem seria aquela quase-menina, o que estaria fazendo lá, e que tipo de relação ela estabelece com senhores elegantes que frequentam cemitérios. bardon questiona se a jovem faria parte de uma ‘irmandade do túmulo’, que percorre cemitérios para seduzir homens desavisados, valendo-se de aparente fragilidade e tristeza. . claro que a estória acaba inconclusiva. mas o que nos interessa aqui é perceber que não se pode mais deixar a vida passar, sem experimentar, sem pelo menos expressar-nos quando há percepção da oportunidade, quando sentirmos vontade. uma simples manifestação pode ser definitiva, em especial, quando não sabemos se haverá outra chance. no campo romântico isso acontece com freqüência irritante.

por quê nos impomos esse fardo? que graça tem brincar de roleta-russa com o próprio destino? quando se tem 14 anos, tudo bem. lembro de um diálogo de before sunset, no qual as personagens de julie delpy e ethan hawke conversam sobre o porquê de não haverem trocado telefones, nove anos antes, quando se conheceram e se apaixonaram, em viena. hawke [jesse] dá o tom cruel da resposta: “quando se tem 22 anos, achamos que várias pessoas especiais passarão pela nossa vida; aos 32, sabemos que isso não ocorre..”.

mas será que nos acostumamos tanto assim a conferir ao acaso uma importância bem maior do que ele merece? ‘se tiver de rolar, vai rolar..’ revela uma segurança madura, legal, mas que não enche barriga de ninguém fora do universo das novelas e dos filmes de john hughes. será que o monstro do medo de rejeição cresceu tanto assim em tempos de crise global da auto-estima? talvez.

há que se rebelar contra a ditadura do medo e provar, experimentar, tentar. o que de pior pode acontecer é a rejeição; e o problema aqui é exatamente a forma como lidamos com ela. o sentimento não pode fazer parte da nossa vida como um espectro assustador; temos de encará-lo como parte natural da existência. se formos bem-sucedidos na tarefa, as ‘chances de perdermos boas chances’ na vida estarão bastante minimizadas. é mais ou menos como um tenista de primeira linha faz: ele não está isento de cometer erros estúpidos durante uma partida. mas quando isso acontece, assim que o lance termina, o cara já está focado no próximo ponto. sinto que estamos perdendo tempo demais olhando para a ‘bola que passou’, pensando no que poderia ter sido, como o curso da partida poderia ter sido alterado caso um simples lance acontecesse de outra forma.

que autoridade tenho para escrever sobre isso? talvez quase nenhuma. mas ganhei minha edição de ‘..selected short stories’ em 1996, de uma menina muito especial que por inexperiência, incompetência ou medo, nunca me dei chance de conhecer melhor..

domingo, 10 de agosto de 2008

flerte

“i thought flirting was to get someone to notice me. now I realize it's making another person feel appreciated”.

a frase não é de bill murray ou scarlett johanson, no magnífico, intimista e solitário lost in translation [2003], mas sim da consultora em resolução de conflitos Jackie shonnerd, 53, divorciada, mãe de 2 filhos adultos, e revela uma face da mudança de paradigma vivenciada pela sociedade atual, no tocante a relacionamentos. sempre quis entender o mecanismo que desencadeia a primeira etapa de atração entre 2 pessoas. sempre tentei decifrar o que de fato atrai, antes de qualquer coisa, uma pessoa em outra.. a partir de uma curiosa sucessão de fatos recentes, senti o timing. estava seguro para retomar o projeto blog, falando do flerte.

difícil teorizar, explicar ou mesmo entender o flerte. mais difícil é mensurar, quantificar um flerte, para defini-lo como bem sucedido. mas a frase de shonnerd dá a pista: não é uma ação tão egoísta quanto parece à primeira vista, mas há algo mesmo de altruísta nele. ao “fazer outra pessoa sentir-se apreciada”, é possível quebrar o gelo que separa, inicialmente, duas pessoas, exatamente, ao ressaltar o potencial de atratividade da outra. o flerte produz reflexo em duas frentes: de maneira exógena, “massageia-se” o ego alheio, amolecendo resistências e preparando terreno para explorar o infinito particular dessa pessoa, exercendo nosso poder de sedução; de maneira endógena, o processo é semelhante: amolecemos nossas próprias resistências, relaxamos bloqueios e ganhamos confiança para abordar a outra pessoa, fortalecendo-nos para o maior risco de uma abordagem do tipo: a rejeição. o flerte protege o agente, baliza o caminho para ação e prepara a reação do paciente. aí me pergunto: onde, exatamente, começa o flerte? difícil também.. mas acredito que ela esteja situado no epicentro entre acaso, afinidade[s], interesse e atração. não necessariamente segundo essa ordem. o que motiva o flerte? flerta-se para ficar com a pessoa? por que nos sentimos atraídos por ela e, assim, compelidos a nos lançarmos na cruzada indômita da sedução? flerto porque a outra parte está flertando comigo? ou flerto para fazê-la flertar comigo? o flerte é quase simultâneo, mas seu sucesso está vinculado ao êxito dos instantes [às vezes nano segundos..] que antecedem a ação – surpresa ou reciprocidade. se o flerte é o bolo da relação romântica [gostoso, descompromissado, inconseqüente, excitante, sedutor], aqueles momentos que o antecedem são a cereja, o grande arremate. além disso, é seguro e não requer uso de preservativo..

li há pouco no site bbcbrasil uma nota curiosa sobre 57 jovens sauditas presos por flertar com meninas em um shopping center. a matéria revela o quão subestimado é o flerte e seu poder como mecanismo de expressão, de libertação sócio-cultural, de exercício da auto-estima. de regra, apesar de um problema crônico de auto-estima, as mulheres têm historicamente exercido a habilidade de flertar. fazem-no por vezes inconscientemente, mas também podem premeditar, planejar, arquitetar, testar e executar o flerte. em geral, mostram-se mais habilidosas que os homens para flertar e ainda que as subjuguemos atiradas ou vagabundas – mais por preconceito e inabilidade nossa – essa habilidade as confere vantagem comparativa no jogo da sedução.

o flerte é como um vírus em constante mutação: não há profilaxia ou teorização que nos prepare para ele. não é possível escrever um guia do tipo lair ribeiro para o flerte bem sucedido, uma vez que acontece por um canal de comunicação particular - e praticamente exclusivo – entre duas pessoas. assim, é influenciado – e ditado – pelos signos utilizados para essa comunicação. por isso pode ser tão difícil flertar com alguém de outra cultura; por outro lado, como o flerte é produto da sociedade em que é praticado, flertar com estrangeir@s pode ser particularmente excitante.

uma fantástica vantagem: flerta-se em qualquer lugar e em qualquer situação: em festas, enterros, hospitais, universidades, escolas, na fila do brócolis, do INSS, em lojas, aeroportos [ah..], na cobal, igrejas, clubs, bares, botecos etc. e é gratuito.
pela própria natureza efêmera do flerte, ele não gera as complicações de outras formas de interação. a bem da verdade, um flerte pode acabar de duas formas: ou evolui para algo mais íntimo, ou acaba, no vazio. mas TUDO pode acabar em flerte. o importante é que o “jogo” estará ganho para quem flerta. se não acontecer absolutamente nada, terá valido a pena exercitá-lo.. e quão infinitos são os mecanismos de flerte! uma conversa, cumplicidade, um olhar, a ausência de um olhar que, sabemos, está lá ..

preste mais atenção no que acontece à sua volta e quem sabe você não depara com um delicioso flerte?