sexta-feira, 23 de novembro de 2007

dentes brancos e hálito puro.



dia desses, voltei de um curto almoço e fui logo escovar os dentes, pois tinha muito para atualizar no trabalho e já etava estressado. no banheiro de um certo ministério, nenhuma alma à vista. melhor assim. após 5 minutos de fio dental, comecei a escovação recomendada por minha inspirada dentista – que acha que as pessoas não têm mais nada para fazer na vida além de cuidar dos dentes.

cerca de 5 minutos depois, entram dois senhores de cerca de 45, 50 anos , estilo ‘velha guarda’: trajes, cabelos e linguajar “ministerianos”. um deles, o fulano, logo vira para o outro e dispara: “beltrano, você não vai acreditar. sabe aquela safada que eu tô pegando? então, saímos ontem e fomos logo ao motel. chegando lá, na hora h, a porra da mulher não estava mestruada”?!
- “tchlept!” – cuspo um pouco, e continuo a escovação.
- “não acredito, que nojo!! – reprova com vontade o beltrano. “é verdade. que mulher foda, a gente acerta a saída, e como já está ‘se pegando’ há um tempo, já ia direto para o motel. ela não falou nada e na hora de tirar a calcinha, apenas sorriu meio sem graça e continuou..” – disse fulano, com aspecto mais puto ainda.
- “tchlept!” – cuspo mais um pouco de pasta, e continuo a escovação.
- “cê tá de sacanagem! que escrota, nem falou nada! mas e aí, tu comeu ela”?
- “porra, claro que não. que nojo.. aquele cheiro”!
- “tchlept!” – encerro minha escovação. enquanto me enxugo, a conversa primorosa continua em detalhes.

não resisti a tanto refinamento. quis aproveitar que agora os rapazes escovavam os dentes e antes de sair do banheiro tinha de deixar uma contribuição aos colegas.
- com licença, não pude deixar de escutar a conversa dos srs. e queria perguntar algo. o sr. é casado?
- sou.
- me desculpando, ainda pela pergunta, a mulher em questão é sua esposa? – eu queria ter um pouco de emoção e banquei o risco..
- é, com a esposa menstruada a gente até trepa, mas é foda...”
- me desculpe por essa última intromissão, mas.. vejo que o sr. é mais velho do que eu e, certamente, mais experiente. mas eu sugeriria que o sr. trepasse com sua esposa – ou quem quer que seja – menstruada mesmo. e mais: tente sentir algum prazer nisso, pois se ela não se satisfizer com você, certamente, será satisfeita por outro, com muito menos pudor e nojo.

é foda. tem homem que come sarapatéu, sushi, feijoada e fígado de boi. mas não consegue dar uma pequena variada de molho branco para bolonhesa..

terça-feira, 20 de novembro de 2007

morgana le fey usava adidas.

desde criança sou fascinado pelo mito de excalibur, seja na inesquecível versão futurista da marvel editada nos anos 1980 ou no filme mediano de 1976; o velho embate bem-mal, a metáfora da espada fincada em pedra e que só poderia ser tirada pelo “escolhido” [matrix?]; cavaleiros, mágica, guerras, heroísmo. na estória, minha personagem predileta era morgana le fey. charmosa, misteriosa e sensual, é presença marcante em meio a guerreiros machos. meio indecifrável, dizia pouco e seduzia muito. sempre associada a tramas e maldades, a irmã do rei arthur era uma criatura indecifrável.

na literatura antiga, morgana le fey é a rainha goddess, da ilha mágica de avalon. ao contrário da crença histórica, morgana possuía notável poder de cura, graças a seu conhecimento fitoterapêutico e capacidade de predição. era líder das nove mulheres santas que trataram as feridas de arthur depois da desastrosa batalha de camlann, que provocou a destruição de seu reino. como o cristianismo sempre considerou blasfêmia a cura não explicável [em especial por uma fêma não pertencente a nenhuma ordem cristã], a literatura consagrou a imagem de morgana le fey como bruxa e pagã. inusitadamente, descobri que morgana le fey tem uma versão não menos charmosa, igualmente misteriosa, mas muito real. e não mora longe..

desiludido com o profissional, decidi participar de uma seleção para o posto de assessor social em uma embaixada asiática em brasília. a etapa final foi uma entrevista surreal [i mean it!] com o embaixador. mas o que importa aqui é o registro do encontro com morgana. enquanto esperava ser chamado para a entrevista, notei-a dentre várias candidatas por uma particularidade: usava um indefectível tênis adidas. porra, morgana le fey estava concorrendo a um posto na embaixada e usava tênis adidas! e depois tem gente que não acha o mundo muito doido. bom, notei-a por isso, mas continuei a prestar atenção por muito mais.. era o salão da embaixada, mas bem poderia ser um castelo qualquer em camelot. gostei de seu ar misterioso e do charme desconcertado. sim, é possível ver isso tudo isso em tão pouco tempo. basta prestar realmente atenção. o homem pode olhar para a bunda, para os peitos de uma mulher. mas se prestar realmente atenção nela, pode enxergar muito e ler [n]as entrelinhas.

ao sair da embaixada, após a entevista, senti que não poderia deixar a oportunidade passar. oportunidade de quê? ainda não sabia. mas não podia vacilar. ao longo dos 34, 35 passos que me levaram à saída refleti e deixei rolar. virei para a figura e soltei: “estilo, minha cara, é tudo”. se você se sente atraído por uma mulher, em uma situação absurda, que não dá margem a aproximações, chute o balde. não perca o controle [especialmente se você está concorrendo a uma vaga de emprego], mas mostre sua “mão de pôquer”. talvez sua trinca de setes ganhe a rodada. sun tzu, provavelmente o mais celebrado teórico clássico da guerra, já dizia que nunca se deve encurralar completamente um inimigo, pois ele não terá nada a perder e só lhe restará atacar com toda a força. a situação me encurralou. sabia que não a veria de novo. a incerteza era minha única certeza. o que eu tinha a perder? nada. sabia que tinha de me expressar. apenas isso. não poderia perder a chance.

no dia seguinte, já recuperado da entrevista dadaísta com o sr. embaixador, eu pensava em morgana. aí, minha cara de pau entrou em ação. consegui seu telefone por métodos excusos e sem grandes exitações, liguei. e olha só: morgana era uma simpatia. um tanto desconfiada para o meu gosto, mas muito simpática. marcamos um café. creditei sua desconfiança ao inusitado do approach. tudo bem, eu já havia feito mais do que a maioria dos mortais - em especial os de cromossomos xy – faria. meu dia já estava ganho. mas eu podia mais. queria mais. queria conhecê-la.
morgana vivia num reino próximo e estava apenas de passagem por aqui.

à noite, ela não estava de adidas. fomos a um bom lugar, tivemos boa conversa. ela tinha mãos lindas, e era muito falante, inteligente, criativa e.. [ainda existe]: acreditava poder mudar o mundo. isso me desnorteou um pouco. a menina era cheia de ideais, crenças, valores. uma criatura apaixonante. nosso contato restringiu-se a essa vez. tudo bem. quase sempre é a mulher quem decide isso e temos de aceitar.

não consegui tirar a espada da pedra, mas ter tomado um café com morgana le fey valeu muito mais a pena do que nunca a ter conhecido.