domingo, 25 de dezembro de 2011

correio de natal

a guerra das malvinas [ou falklands, como insistem os caras “da ilha”] foi minha primeira incursão no que se transformaria em profissão. eu tinha nove anos, mas esperava o jornal todos os dias para saber o que tinha acontecido no dia anterior. a guerra não reservou grandes surpresas: a poderosa Inglaterra massacrou a Argentina e fez o que a lógica esperava de davi x golias. alguns anos passaram e vi “letters from Vietnam” [bill couturié, 1987]. pra mim, genial libelo sobre aquela guerra, do nível de "full metal jacket" [kubric, também de 1987]. o filme tem uma peculiaridade que humaniza a estória e aproxima o expectador: é todo narrado em off, por meio da leitura de cartas trocadas entre soldados, famílias e namoradas.

há um trecho que retrata a noite de natal de 1972, num ponto do mekong de que não me recordo bem [ainda não instalei internet em minha nova habitação, então, nada de confirmações googlianas]. americanos entrincheirados [e amedrontados, claro; a media de idade das tropas do tio sam era 19 anos..] de um lado, e vietcongs furiosos, eficientes e escondidos, do outro.

o combate comia solto quando, por volta de cinco minutos antes de meia noite, os tiros cessaram. em seguida, artilharia pesada de ambos os lados foi apontada para cima e uma sequência amalucada de tiros foi dada para o alto. um lado metralhava pra cima e o outro respondia da mesma forma, numa sinfonia pacífica bem no coração de uma guerra estúpida, lutada furiosamente por meio-homens e meio-crianças. ali, de forma impensável e não programada, em trincheiras imundas, meninos americanos e vietnamitas, famintos, celebraram o tal do natal.

o que teria feito cessar o ódio que contaminava corações e mentes daqueles povos, ainda que por um breve momento? a celebração de algo que nem é compreendido da mesma forma por cada cultura? que espírito é esse? será que eu nunca fui contaminado por ele?

para entender como é difícil suspender o ódio de alguém que se tenta vencer no campo de batalha, me lembrei logo do igualmente fantástico "the duellists". ridley scott fez essa jóia em 1979, antes de ganhar o mundo com blade runner. no filme, passado na frança napoleônica, dois sujeitos começam a se estranhar por besteira e passam a vida – no caso, mais de 40 anos se enfrentando. a honra de vencer o combate – e derrotar o oponente era bem maior do que os motivos que os levaram a se enfrentar.

recorro também aos ensinamentos milenares de sun tzu, bem resumidos na importância de se conhecer o oponente para vencê-lo. mas na passagem abordada não se trata disso. as duas partes se enfrentavam sem muita razão. americanos, com a patética alegação de conter o perigo do avanço comunista na região; o vietnam, para defender seu território. e naquela noite não havia a intenção vencer o inimigo, mas apenas de lembrar de uma festa que parecia acontecer há anos luz dali.

no dia seguinte, corações e mentes gelaram novamente. o ódio brotou junto com o sol do dia 25 de dezembro e, de uma hora para outra, o combate recomeçou. já escrevi sobre minha incompreensão dos festejos e do espírito natalino. mas a lembrança do filme me remeteu à ideia de que se trata, sim, de um período especial.

é hora de baixar o especial de natal da turma da mônica [década de 70, claro], tomar uma dose de tanqueray em um de meus copos novos e desembrulhar presentes e rancores.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

juno [ou, tempo de celebrar]

quando assisti juno [jason reitman, 2007], fiquei impressionado. com o talento da moça-com-cara-de-menininha helen page, com a delícia e a sensibilidade da estória – adaptada de obra escrita por uma ex-stripper [atende pela alcunha de diablo cody], sensível e bem mais profunda que a média do estilo; com o talento de michael cera, o desengonçado paulie bleeker. amigo e namorado de juno macguff, ele é “co-responsável” por sua gravidez. pai da coisa que vive em sua barriga, fio condutor da simpática estória.

juno é uma adolescente tipicamente questionadora, lado B. bonitinha, mas rebelde, exerce liderança natural no ambiente previsível da escola. dá trabalho aos pais e inspira atenção típica da idade. não foge à regra. o filme é simples, quase simplório. mas não me lembro de outra película que proponha, de forma tão natural, a discussão sobre tema ainda espinhoso em nossa ainda involuída sociedade: a gravidez adolescente. sempre cercado de tabus e estigmas, ele é abordado no filme de forma tranqüila, sem pressão, sem peso, sem culpa, ainda que bastante factível.

quando vi o filme, fiquei com inveja. que realidade era aquela?! total compreensão com uma gravidez não planejada, não desejada e, obviamente, precoce para os padrões normoides. pai compreensivo, madrasta amiga, colegas companheiros - ainda que naturalmente imaturos, e namoradinho sensível. em que planeta isso? tem de tudo no filme. sem sufocar, sem pesar, passeia-se por temas como políticas contraceptivas, educação sexual e reprodutiva. tendo trabalhado com o tema por tanto tempo, claro que fiquei intrigado..

mas, a partir de reflexão simples, concluo que tenho toda as vantagens de juno: fiz parte de uma turma meio-outsider, original e contestadora e meio-underground; e convivi com não uma, mas duas junos; duas “eles”. L. carioca, cerca de 27 anos, extrovertida, alternativinha e muito tatuada.. foi a primeira referencia no RJ. conheci assim que cheguei. gostos comuns, saímos diversas vezes. l. braziliense, 25, sensível, divertida, refinada, sensual. tornou-se amiga e, até certo ponto, confidente. o intrigante: com ambas, nunca ultrapassamos a fronteira da amizade. pitada de flerte, gotas de sedução, mas amizade acima de tudo.

na mesma brincadeira, lembro-me da amizade recente com o jovem a, dez anos cronológicos mais jovem, diferente em um caminhão de coisas. hoje, referencia profissional e, por que não, amigo de muitas horas.

por todos os paradigmas pulverizados, celebro a diferença. celebro as tatuagens, as origens esquisitas, os gostos idiossincráticos. celebro quem não gosta de the cure e quem não curte beatles. às vezes o universo “Juno” não revela superficialidade, mas a solidez de outro mundo, apenas diferente, meio desconhecido.

sábado, 26 de novembro de 2011

'stand by me' ludovicense – uma visita

já são 25 anos do verão quente e inesquecível de 1986, na grande são luís do maranhão. o contexto era a explosão da challenger, RPM e cometa halley. eu era um jovem atrapalhadamente tímido e orgulhosamente deslocado, o que reforçava hábitos pouco ortodoxos para um menino residente na beira da praria de uma pacata capital nordestina. um deles, cultivado até o presente, é o de ir ao cinema sozinho. sinto um prazer esquisito, sem explicação [nem tanto], e ainda pouco compreendido, que tem muito menos a ver com solidão do que com individualismo. naquele ano, fui ao cine tropical assistir à estreia de stand by me, atraído pelo roteiro do spielberg, pela música épica de john lennon e, claro, fascinado pelo trailler, assistido um mês antes.

no caminho da casa de minha vó [espécie de “base de operações”] até o cinema, havia um longo [ok, precepção pré-adolecente] terreno baldio que, se não podia ser considerado perigoso, era bem ermo. atravessávamos uns 2 kilômetros de mato, manguezais e estradinhas, para cruzar a segunda metade da ponta do farol [o bairro] e chegar ao cinema, uma das poucas diversões de então, para a juventude dourada da ilha do amor, não a do manezinho. eu tinha 12 anos e até então só havia ido ao cinema com amigos ou com meus pais; nunca sozinho. confesso que ponderei. tinha medo do caminho, não pelos motivos atuais, mais associados à violência gratuita e absurda – queimam-se índios e pais como quem fuma um baseado, mas receio de mim mesmo, de não achar o caminho, de não conseguir, de.. sei lá, medo. naquela época, andar sozinho me fascinava. eu associava liderança, esperteza, traquejo, aos meninos que andavam sozinhos, que iam à escola de ônibus, iam à praia surfar, sem os pais, sem ninguém.

pensei, reli a sinopse do filme: quem era river phoenix?! ah, mas tinha richard dreyfuss, de jaws e close encounters. “grupo de meninos parte em busca de um cadáver em aventura que mudará o curso de suas vidas”, dizia o cartaz. não sei se era apelação marketeira, mas não resisti e fui. e não aconteceu nada demais durante o trajeto. sozinho, a única diferença foi o tempo ter demorado mais a passar, só. chegando ao cinema, porém, me senti importante pra cacete! porra, tinha 12 anos e conseguira chegar ao cinema, a pé, sozinho. estava para completar uma grande aventura. senti excitação, felicidade, vontade de ir a pé a todos os.. trës cinemas da cidade. estava realmente feliz. o filme seria a sagração, o ápice do cumprimento dessa fase, mas apenas um detalhe, se comparado à conquista, àquele sentimento de superação tão relaxante, e que na mocidade é inesquecível. o enredo? aquilo mesmo: após o assassinato brutal de um menino na pequena castle rock, um grupo de amigos parte numa epopeia brancaleonesca em busca do corpo - até então desaparecido. descobrem muito mais.

ter visto a saga de gordie lachance e seus amigos, contudo, representou muito mais, marcou muito mais do que o esperado. foi minha entrada efetiva na adolescência. a partir daquela tarde quente de verão, filmes não seriam os mesmos para mim, e o caminho até o cinema não seria igual – já havia sido conquistado; eu passaria a não mais entender coisas, perceber fatos e pessoas da mesma forma. o efeito bombástico que a história tem na vida dos quatro amigos misturou-se à minha percepção da realidade. tal como lachance nunca mais veria castle rock da mesma forma, são luís havia mudado para mim, em uma tarde..
eu gostava de viver lá, mas a cidade começava, definitivamente, a encolher.

de são luís, fica a lembrança de uma época inesquecível, adolecência tranquila, solta e sem pressões, vivida entre a praia e o mangue. do filme, lembro da personagem de dreyfuss – lachance adulto, dizer que nunca mais teremos amigos como os que tivemos aos 12 anos. não sei se concordo, mas faz sentido. por que atualizar esse texto agora? estranho, mas hoje percebi que brasília começa a parecer menor..

sábado, 19 de novembro de 2011

procura-se eduarda


ovídio nasceu em 43 a.c. a data é longínqua, mas as reflexões do poeta sobre os mistérios, as complicações, as exaltações e as agruras do amor romântico parecem mais atuais do que nunca. por meio da poesia do livro III de seu épico “A arte do amor”, o italiano escreve sobre o que colocaria duas pessoas “na mesma rota”. o assunto parece meio repetido, mesmo no espaço do blog [de acordo com um raro diamante cor de rosa, eu usaria o espaço para terapeutizar monstros internos e, empoderado e protegido, enfrentar o mundo exterior e expor meus devaneios com mais legitimidade]. mas a cultura contemporânea fez várias contribuições para a análise da questão. uma delas, a película chasing amy [1997], ícone da cultura pop dos 1990.

o amalucado kevin smith já havia nos presenteado com clerks [1994] e contava com algumas produções autorais no currículo. mas em chasing amy o cara brindou com bom champagne à famosa geração X [não por acaso, a minha] e propôs uma reflexão simples, mas contundente sobre um tema que não pára de me fascinar: encontros, desencontros e reencontros. para quem já leu alguma coisa de alfred kinsey, biólogo que revolucionou a sexologia na década de 1940, talvez o filme não proponha nada novo. mas tem, sim, mérito. trabalhou com bons atores em começo de carreira, e discutiu a juventude dos anos 1990 com criatividade similar à do genial some like it hot (1959), de Billy Wilder. tem um Ben Affleck charmosão e loser, um amigo metralhadora giratória, sarcástico e igualmente loser, Joey Lauren Adams chatinha mas charmosa. a direção é ágil para a época, apesar de hoje parecer meio datada.

o enredo é simples: holden [Affleck] e alicia [Adams] são cartunistas ilustradores que se apaixonam a partir de um encontro pouco usual. mas os dois têm passado tão similar como sérvios e croatas. além disso, ela é lésbica. ou melhor, bissexual. holden não tem maturidade para encarar sua orientação nem seu passado. a maneira idiossincrática como a estória se desenrola desestabiliza a relação fraternal de holden com banky, melhor amigo, roomate e também cartunista. há momentos memoráveis - como o que holden propõe um threesome entre eles, para nivelar experências. mas também há reflexões sérias sobre temas sérios, como a hora em que holden se declara e ela, furiosa, acha injusto, exatamente por se considerar lésbica e bem resolvida quanto a isso. e alicia realmente era. mas preciso é navegar.. viver é outra coisa.

a condução do filme é leve, descomprometida, gostosa, genial. holden não consegue processar o passado “sortido” de alicia, que viveu as loucuras da mocidade e também transou com homens nos primórdios da faculdade. a previsível e patética insegurança de nós homens brota com força. em determinado momento, um amigo discorre sobre o platonismo da paixão, e sobre como procuramos – em vão, claro, por uma alma gêmea, um par perfeito. cita o exemplo de um amigo que se apaixona por uma tal amy. eles namoram até o cara terminar a relação por ciúmes. quando ele finalmente entende a merda que fez, claro, passa o resto da vida procurando por sua Amy..

a insegurança de holden cristaliza-se e acaba por minar a relação, estraga a beleza do encontro. criticá-lo seria cruel: quem, envolvido de cabeça em uma relação amorosa tem total controle sobre ela? no máximo, se conduz a própria participação.. parece mais do mesmo? sim, claro. quem já não viu esse fime? talvez a tônica da existência seja mesmo uma eterna, cruel e ingrata procura pela amy de cada um. pela felicidade. pela redenção da imaturidade, da burrice.. do desencontro. mas o caminho até essa percepção é cruel e as dificuldades, plurais. não podemos, assim, complicar o que já é difícil. que cada um corra [ou não] atrás de sua amy e liberte-se de preconceitos, fórmulas e traumas: agarre-a!!! que se busque uma relação passional, mas justa, sã, equilibrada.

por fim, não se pode desprezar a possibilidade de a Amy estar.. em cada um de nós. mais ou menos, a tese dos escritos apócrifos de são tomé: crê num pedaço de madeira e a felicidade lá estará. ninguém precisa de intermediário para a plenitude.

sábado, 12 de novembro de 2011

cachorro, gato, galinha..


foi um marco temporal, surpreendente: meu irmão caçula se casou. ele, que há pouco passava horas entocado no quarto jogando e discutindo com o video game, contraiu matrimônio. confesso que surpreendeu um pouco o traço ritualístico do meu irmão, nunca pensei que ele fosse assim. mas foi lá, todo bem vestido, todo decorado, todo safo e tchumpf!! aceitou a moça com sua legítima esposa. tudo normal até aí. a cerimônia teve família, bem-casado, salgadinho, parte religiosa e tudo. mas despertou minha atenção para algo em hibernação em minha pessoa: o sentimento de união familiar, de agregar, de juntar.

sempre concordei com o escritor japonês nairamo nisoda: a família como eixo inconteste da formação de nosso caráter é superdimensionada; valores individuais são o que realmente importa, e laços consangüíneos não devem e não podem ser mais fortes que a identificação por afinidades. é ela que dá “liga” às uniões no mundo contemporâneo. pelo menos deveria. é ela – ou sua falta, também, que decreta o fim prematuro de uniões, românticas ou não. mas a porra da família está lá, para o bem e para o mal. é nela que residem, quase sempre, as primeiras causas de nossos primeiros traumas e ela é a primeira referência de segurança, de porto seguro. e lá estava parte considerável da minha família, com boas e esquisitas surpresas.

um eixo inquestionavelmente agregador: meu pai. alem da óbvia alegria por um reencontro que no meu caso já aguardava cinco anos, sua presença juntou o clã e trouxe tias loucas e primos mais loucos ainda para a mesma mesa. sensíveis tendem a sensibilizar.. os mais sensíveis. como meu primo policial federal. simpatia em pessoa e essencialmente bom, naquela noite, ele, que é “juntado” há vários anos, disse que se casaria apenas para ter o prazer de juntar gente tão querida. foi legal demais ver meu pai conversar com mike, o desequilibrado gente fina de boa alma de quem sou amigo há quase 20 anos. foi surreal conversar – sem estimulação etílica com sua mulher sobre filhos, paternidade por afinidade, planejamento etc.

foi sensacional ver meu irmão de bom coração desmanchar-se e declarar ter sido aquele um dos momentos mais emocionantes de sua vida.

capítulo à parte, foi muito especial ter a companhia de minhas enteadas, vestidas como ”daminhas”. a mais velha, genuinamente emocionada e hipnotizada com o rito, com o altar, acompanhava cada movimento com atenção quase passional. enxergo uma fonte inesgotável de sensibilidade na menina; a caçula olhava tudo com charme peculiar – de soslaio, parecia debochar de tudo, mas com classe e curiosidade. foi a nota cômica: segundos antes de entrar na igreja, ela puxa minha gravata e sussurra – andré, preciso fazer xixi. e assim, quebra-se todo o protocolo e noiva, mãe da noiva, noivo e demais bonequinhos efeitados aguardam enquanto eu a ajudo a se livrar de camadas e camadas de “náguas”..

apesar de minha incompreensão com o rito em si, reconheci a importância de juntar a família, de celebrar altruisticamente a felicidade de alguém próximo. contrariando meus prognósticos, fiquei até o fim. não doeu, não incomodou. ao ir embora, opa! havia drambuie. duas doses mais tarde, era hora de chegar em casa a tempo de ver o sensacional chasing amy. mas isso é assunto para outro post.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

justiça seja feita



isso não é um post. não é um texto. não propõe discussões originais. trata-se, apenas, de reconhecimento [ou homenagem] ao amigo cliffor, cara que enxergou - pudores moralistas às favas, potencial em natalie portman, desde o excelente beautiful girls [ted demme, 1996]. ela só tinha 13 anos, mas não é possível que ninguém mais enxergasse que a menina se transformaria.. bem, naquilo em que ela se transformou.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

alquimia

há cerca de vinte anos tive acesso a um manuscrito intrigante: “a alquimia das paixões”, do mestre ovitac sorrab. acho que o livro nunca foi publicado, mas isso não vem ao caso; me chamou atenção para um tema inusitado: o momento em que duas pessoas se notam, percebem-se no meio da multidão, e se aproximam, se conectam. seria, a meu ver, a conclusão bem sucedida da fase de flerte. mas o que faz dois estranhos cruzarem o olhar no meio da multidão? por que a pessoa com quem trabalho, convivo, tomo café, me reúno, discuto besteiras – como a reforma do prédio, e coisas importantes – como a crise da grécia, de uma hora para outra, transforma-se em uma pessoa interessante, atraente? mérito dela ou mérito e espírito aberto de quem nota? mérito do acaso? obviamente estou bem distante de respostas para essas questões. sei que o momento de ambas é determinante para a evolução do encantamento, para a efetivação do flerte. e para a paixão. a simples procura por uma explicação mostra-se um exercício delicioso.

me lembro da boa história de bram stoker’s dracula. a certa altura, o conde, transmutado em lobo, possui lucy, a prima ruivinha de mina, sua alma gêmea. entreolham-se e mina, horrorizada, é hipnotizada pelo bicho. drácula conclui que não, ele ainda não poderia interagir com seu amor. dezenas de páginas mais tarde, ao desembarcar em uma charmosa Londres vitoriana, o conde está elegantíssimo, de fraque de veludo, cartola e luvas de pelica. assim que desce de sua carruagem, lá enxerga mina. dessa vez, ele atrai sua atenção para que os olhos se cruzem. faz questão de ser visto, notado. a versão para cinema, de coppola [o pai] é ótima e retrata bem essa passagem.

a “alquimia das paixões” combina vários elementos não encontrados na tabela periódica, para explicar a tal relação entre encontros, desencontros e reencontros. claro que frustrações e projeções reproduzidas historicamente, por vezes, complicam nossa capacidade de apreciar os sinais emitidos pela outra pessoa. nessa hora, vale prestar atenção na linguagem corporal, nas nano-dicas, na sintonia fina e nos sinais conscientes e inconscientes emitidos. podem ser percebidos no club da moda, no avião, na padaria, na feira ou no pet shop. despertam a atenção do outro, com base em critérios racionais – "fulana tem cabelo curto e eu acho charmoso", ou nem tanto – "tenho de encontrar aquela ruiva com o símbolo do infinito tatuado no pulso esquerdo, que todo sábado dança - senhora de si no canto direito da pista da casa da matriz. de frente para o dj e de costas para o público".

o mais importante: quem determina se vai acontecer, o que vai acontecer, e quando vai acontecer é mesmo o timing.. mais importante que a estética, o tesão, ou mesmo as afinidades, o timing cruza olhares e dita as possibilidades de cada relação. é ele que pode decretar a morte prematura, a simples sobrevivência, ou a explosão da paixão. aí não há como não lembrar, mais uma vez, do casal jesse&celine, de before sunrise/sunset. com 22 anos, brincaram com o destino, por achar que se tem todo o tempo do mundo e que esbarraremos sempre em pessoas especiais.. isso é um absurdo. dez anos depois, reconhecem a estupidez da mocidade. e pagam alto preço por ela..

fui ao show do the cure em são Paulo, 1996. naquele frio 23 de janeiro conversei com um casal quarentão de BH que havia se conhecido no show da banda no ginásio mineirinho, em 1987, quase dez anos antes. estavam juntos desde então. pareciam genuinamente felizes, leves. inveja boa. seria uma bem sucedida história de amor, ou um exemplo corriqueiro de união que deu certo, a partir da aproximação.. flerte por afinidades musicais? vai saber.

o passado nos constrói e o futuro nos guia, mas a essência é o presente que vivemos, ou, que escolhemos viver. esse presente é – ou deveria ser um somatório de infinitas possibilidades. fiquemos atentos: talvez uma dessas possibilidades revele alguém que merece ser notado e dê chance a uma experiência fantástica..

sábado, 1 de outubro de 2011

sonhos&devaneios numa terça de manhã. [parte 1]


tempo seco em brasília, oito da manhã. eu saía da 410 em direção à 407. sul, claro. estava sem propósito, ainda que não tivesse tempo para jogar fora: começo no trabalho às 9h em ponto. naquela ocasião, eu pensava em coisas da vida, sem expectativas. apesar da terça-feira quente, decidi tomar um expresso antes do trabalho. ao virar a esquina, digo, a entrada da quadra, me lembrei da grão mestre. bom lugar para um café, uma lida no jornal, um pão na chapa e um pouco de sol. ao chegar lá, logo encontrei mesa. pela hora, não havia concorrência para as cadeiras.

sentado, folheio a interessante autobiografia do keith richards [life], enquanto espero pela simpatia das moças que servem. no local, apenas as presenças “padarísticas” habitualmente imperceptíveis. olho para a mesa ao lado.. quase me queimei! putaquepariu, eu tomei LSD ontem? não, eu sei que não. mas.. peraí! era ela mesma: sofia copolla, em carne e osso! virgins suicides, marie antoinette e.. o cerebral lost in translation. tomando café com pão de queijo, enquanto escrevinhava alguma coisa num moleskine bem usadinho. na grão mestre. em brasília. logo ali.

a moça tinha um cabelo meio desgrenhado e fundo de garrafa pretinho, camisa branca de manga curta [com botões], calça risca de giz. não estava de all star mas exibia um sapatinho vermelho de boneca, típico de 1996. esmalte vermelho nas mãos, ela era muito branca, meio baixinha e muito, mas muito mais charmosa do que eu pensava. como sói acontecer, a beleza não era proporcional ao charme. o tempo passava, e ela continuava escrevendo naquele caderninho. concentrada, fazia umas coisas esquisitas com a boca: mordiscava o lábio inferior. enquanto acabava o segundo café, não agüentei:
- excuse me, can i borrow the chair? foda, mas a timidez há muito deixou de ser minha amiga. não perderia a chance de ver os dentes da jovem.
- pode falar português, eu entendo - putz.. viagem pra ser viagem, tem de ser.. viagem! ela falava português.
pra jogar conversinha fora, comentei que adorava lost in translation. ela sorriu como quem encontra a brasserie rosario aberta em dia quente, e agradeceu. eu já não entendia nada, mas entrei na viagem: pedi um instante e avisei no trabalho que havia tido uma emergência: não voltaria naquele dia. recuperado do susto, perguntei logo o que bill murray susurra para scarlett johanson ao final do filme. ela sorriu e mandou:
- você acha o filme charmoso?
- pra caralho.
- gosta daquela sequência do susurro?
- acho poesia em um filme perfeito, econômico.
- pois bem. se eu te disser, todo o charme se perde.
não é que a esquisita tem razão? claro! adorei ser enrolado por sofia. e aproveitei o ensejo:
- você tem tempo, minha jovem?
- tenho. estou acabando umas anotações mas fico em Brasília até amanhã.
- quer tomar café num lugar legal, intimista, mais charmoso? – mandei, sem papas. ela sorriu um sorriso engraçadinho.. [porra, eu tava no céu!]
- você conhece Brasília? – ela indagou em tom “metralhativo”.
- sim. nasci aqui. não tenho gigantesca simpatia pela cidade, mas se pode curtir bastante algumas coisas. como o CCBB, por exemplo. é um complexo artístico e cultural, mantido pelo maior banco estatal brasileiro. ela gostou. paguei a conta e fomos – no meu accent 1996 conferir a programação de mostras.

a tarde foi deliciosa: ouvimos choro [estrangeiros devem conferir o estilo, tão brasileiro quanto o samba], comemos no café do local e conversamos bastante. ainda veríamos a exposição sobre um modernista esquisito daqueles. mostrei-lhe a UnB e depois alguns pontos turísticos, como o palácio do itamaraty. e o café? apostei na boa certeza: Ernesto, na 115 sul. parece um mini-enclave de palermo soho. lugar transado, cafés criativos e bem tirados e simpatia avassaladora de Juliana, a proprietária. vale a dica. enquanto dávamos conta de alguns caffé lattes e uns bolinhos de sabor convidativo, conversamos muito. o fim da tarde gostosa foi decretado por Sofia:
- acho que para um devaneio, está de bom tamanho..
- hã?! – devolvi. como assim? agora que estava ficando delicioso?!
- é assim, porque boas viagens são assim: curtidas, vividas, verdadeiras [não necessariamente reais..], e aproveitadas. putz, beleza.
- mas e agora? posso ao menos ter seu telefone? [eu simplesmente tinha de perguntar!]
sofia, não-linda, não-gostosa, mas maravilhosamente charmosa, sorri com metade da boca [como a chata da katie holmes fazia], mexe no cabelo, se aproxima e, tocando meu rosto, sussurra meia frase arrebatadora..
ah, sacana!! como escutar aquilo e não se apaixonar?

tudo bem, como diz maria luíza: “é tempo de retornar”..

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

pra quê a pressa?





enquanto acessava minha conta bancária [putz..], recebi uma nova demanda no trabalho. colegas ansiosos produzem um ambiente de ansiedade. quando o chefe não padece dessa moléstia contemporânea, os estressadinhos sobressaem-se. num desses momentos em que o stress impera, meu inconsciente trabalhou bem e me lembrei de uma passagem narrada em família desde os idos de minha infância. meu pai sempre contava histórias de um amigo antropólogo, o marins. eu era muito criança para fazer associações maduras, mas o humor e a inteligência do cara tornaram-se uma referência para mim.

quando cresci, descobri que o marins é luiz antônio marins filho, PhD e antropólogo formado pela Macquarie University. orientado pelo também antropólogo prof. dr. chandra jayawardena, licenciou-se em história. estudou também direito, ciência política, negociação, planejamento e marketing. atualmente fatura alto em palestras motivacionais para empresas. e daí?

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no batido intuito de refugiar-se e procurar respostas definitivas para perguntas essenciais, algo latente em todos nós [vivas a são tomé!], e para dar vazão à veia antropológica, marins partiu numa jornada solitária [vivas a alex supertramp!] lá pelos idos dos anos 1970. decidiu refugiar-se no distante território dos aborígenes, no árido e desértico interior australiano [no caminho entre darwin e adelaide as temperaturas passam de 50ºC]. à época, eles viviam como os yanomamis amazônicos nos anos 1980: quase sem contato com a civilização. preservavam hábitos e costumes seculares e cultivavam lavoura de subsistência – plantavam o que podiam para matar a fome, dedicavam-se a algumas culturas primárias e, em especial à caça. a fome era realidade.

na região, predominam os Dromaius novaehollandiae, ou emus. primo da brasileiríssima ema, o bicho é símbolo de prosperidade e associado pelos aborígenes a um sem número de ritos sociais e culturais. durantes alguns meses por ano, é seu único banquete. por isso, tudo, todos os processos, da mudança do tempo aos rituais de passagem dos aborígenezinhos, era associado ao emu.

marins encontrou muita resistência à sua integração com o povo, mas após alguns meses, estava completamente inserido na cultura e nos hábitos da tribo. fazia as refeições junto do pajé e dos sábios e lhe era sempre conferido lugar de destaque nas discussões mais importantes do povo.

o ritual da primeira caçada era a manifestação mais importante para aquele povo: o emu mobilizava toda a comunidade. mulheres pintavam-se e se enfeitavam. meninos eram treinados física e psicologicamente para enfrentar testes e provas exaustivas para ingresso na fase adulta, peças eram encenadas, cerimônias realizadas e casamentos celebrados com inspiração na primeira caçada ao emu. marins sentiu, ao longo dos meses que seguiram, a importância do animal para a tribo. a fome, as dificuldades, o calor insuportável, tudo era minimizado enquanto se preparava para a primeira caçada ao emu.

chegou o dia. quando batedores rastrearam o bicho, todos os homens da tribo partiram em expedição para caçá-lo. na frente, os batedores mais experientes, os mais velhos, o pajé e marins, como convidado de honra – já ganhara a confiança, o respeito e a admiração de todos. no segundo dia da expedição, eis que ele, o antropólogo maluco, enxerga o primeiro emu. ele vira para o restante da expedição e, aos berros incontidos, não segura a emoção:
- “o emu, o emu!! “ali, ali na frente, atrás daquele arbusto”!!! um emu, eu vi um emu”!!!
o pajé, do alto de seus cronológicos oitenta e tantos, vira para marins, dá um sorriso maroto e diz:
“meu filho, olhe à sua volta: o emu está caçado há meses”..

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

[re]encontros

experimentei, há cerca de quatro ou cinco anos, a reflexão: seria possível – para um fóbico como eu dividir o mesmo teto? a experiência amorosa que comecei a viver confirmou que sim. é possível aprender e ensinar marital e paternalmente. e tem mais: não há preço para isso. o mesmo teto vale a pena, tanto quanto respirar, beber água, viajar, gargalhar e tomar banho no mês de setembro, em Brasília. se houver amor franco e saudável, correspondido, vale ainda mais. confuso, com a asa ainda machucada, me pergunto: é possível vivenciar o mesmo com amigos? mais: com quase-desconhecidos? ainda não tenho resposta, mas devo apostar em breve.

passei de super-tímido a super-louco a super-irresponsável a super-chato a super-maduro a super velho. hoje sou menos super-confuso. quando se vive de peito aberto, o risco de sofrimento é maior, mas a verdade é sublime e a vida pode ser bem legal. dúvidas fazem parte dela e é bom que façam. crises, idem. mas, voltando à vaca fria: acalmar e reaproximar-me do sol tal qual o homem-pássaro ou apostar no [meio]desconhecido?

sempre respeitei a amizade e acho que a sociedade contemporânea supervaloriza a paixão. é foda conferir tanto valor a um sentimento que faz mais sentido quando morto, para dar lugar ao que realmente perdura e importa. a amizade é diferente: pode ser igualmente arrebatadora e confusa, mas não nos tira os dois pés do chão. proporciona a troca de experiências de maneira mais justa e equilibrada. apesar do risco da assimetria na doação, o intercâmbio é mais fácil na amizade.

lembro-me de sofia coppola e seu delicioso lost in translation; em português, “encontros e desencontros”. considero o filme uma ode aos encontros. a vida já nos bombardeia com desencontros. falta entender os “reencontros”. quando românticos, são legais; mas quando gostosos, divertidos, instigantes e verdadeiros, são memoráveis. eu já não acreditava nisso, mas talvez esteja vivendo um encontro na amizade. se os mestres dizem que está tudo escrito, não seria um reencontro? o tempo deve dar seu veredicto.

bom, o momento de decidir aproxima-se e inclino-me a arriscar. afinal, encontros marcantes são raros e valem a pena.