segunda-feira, 22 de outubro de 2012

"que lindo, que lindo, que lindo"!!

além dos tradicionais cinco sentidos, especialistas já discutem a existência de nada menos que onze dimensões por meio das quais o ser humano percebe e interage com o mundo à sua volta. os avanços tecnológicos e transformações por que passa a sociedade atual nos estimulam a exercitar esses sentidos. desde dezembro/2011, quando me mudei para o endereço atual, não tenho mais TV. ou melhor, tenho uma coisa para reproduzir filmes, mas nenhum canal de programação, nem mesmo canais abertos. a experiência tem sido interessante.. acho que são estimulados os mesmos sentidos aguçados por LSD ou outras coisas lisérgicas. o desuso da criatividade, a falta de hábito para leitura, a facilidade, agilidade e multiplicidade de mecanismos de comunicação existentes, bem como as comodidades da era contemporânea têm produzido um exército de preguiçosos. pra que atravessar 300 páginas e perder tempo, se é possível escutar um e-book, acessar pelo ipad ou ler uma resenha no google e.. tcham! conhecimento apreendido. para parafrasear um poeta que trabalha comigo, será? não é bem assim. sempre defendi a pena de morte para quem falsifica monografia de conclusão de curso. a viagem mais intensa proporcionada pela ausência do aparelho demoníaco, é a oportunidade de acompanhar futebol.. pelo rádio. isso mesmo. em pleno século XXI, era da informação, da “nuvem” de dados, de ipads, ipods, iquesacos, voltei no tempo e há quase um ano tenho escutado jogos de futebol pelo rádio. no primeiro semestre, o esquisito campeonato carioca. desde julho ou agosto, o brasileirão. e que viagem tem sido!! num primeiro momento, o estranhamento é inevitável, pois são uns 35 anos na frente da TV. e de repente não há mais o estímulo visual.. acho que a lógica parece com o hábito de comer carne. descendente de mineiros que sou, passei os mesmos 35 anos comendo carne/frango todos os dias. parei de repente e é como se nunca houvesse comido. lembro de ter visto the exorcist, dirigido por william friedkin, com uns 14 anos. acho que foi o filme mais aterrador que já vi. alguns anos depois, li o livro, escrito por outro william, o peter blatty. e foi certamente a obra literária mais horripilante que já li.. desde os primeiros ruídos esquisitos que a menina reagan escuta, até a eletrizante sequência final, acho que nunca senti tanto pavor ao ler um livro. blatty consegue criar barulhos quando deve haver barulhos, estimular a imaginação de coisas quando deve haver coisas, e até nos instiga a sentir cheiros.. a experiência é impressionante. Mas voltemos ao futebol. :::: corte para o ano de 1988, na gloriosa conurbação de timbiras [MA]. lembro do pânico de meu pai, enquanto acompanhávamos um vasco e flamengo qualquer dos bons e velhos tempos, quando soprava um arzinho, caíam duas gotas d’água e.. pronto: adeus sinal. na época, havia no maranhão dois canais: globo e bandeirantes, que ainda não era band. mas no fim de mundo chamado timbiras, ao primeiro sinal de chuva, perdíamos o sinal daquele canal. e aí não tinha jeito: ou se arriscava no telhado para tentar um milagre com a antena parabólica, ou apelávamos para o radinho de pilha. e quanta emoção! que delícia esperar pela vinheta “josé carlos araújo”!! atualmente me divirto com cada gol ao escutar pela CBN: “que lindo, que lindo, que lindo, aline”!! nesse caso, aline falcone, eternizada por evaldo josé e deva pascovicci. como o bordão não revela, de cara, o GOL tão esperado de cada jogo, estimula-se ainda mais a imaginação do pobre torcedor. assim, escutar uma partida pelo radio tem sido uma experiência quase metafísica. uma trombada que acaba em espirrada de bola para a lateral parece um petardo desferido em direção ao ângulo do guarda-metas. a cobrança de tiro de meta pode ser uma chance clara de gol. um leve esbarrão entre zagueiro e atacante é um lance que pode aleijar a ambos. pronto, decidi que economizaria 150 reais por mês [em TV a cabo] e voltaria a escutar os exageros da narração via rádio. e tem sido demais! a capacidade de os narradores transformarem um jogo morno numa final disputadíssima é impressionante! tudo fica mais acelerado, mais emocionante, mais disputado. redescubro, assim, um prazer esquecido de acompanhar futebol exatamente quando não “enxergo” mais as partidas. o Brasil é mesmo o país do futebol. talvez seja também o país da imaginação, da criatividade.