quinta-feira, 15 de setembro de 2011

pra quê a pressa?





enquanto acessava minha conta bancária [putz..], recebi uma nova demanda no trabalho. colegas ansiosos produzem um ambiente de ansiedade. quando o chefe não padece dessa moléstia contemporânea, os estressadinhos sobressaem-se. num desses momentos em que o stress impera, meu inconsciente trabalhou bem e me lembrei de uma passagem narrada em família desde os idos de minha infância. meu pai sempre contava histórias de um amigo antropólogo, o marins. eu era muito criança para fazer associações maduras, mas o humor e a inteligência do cara tornaram-se uma referência para mim.

quando cresci, descobri que o marins é luiz antônio marins filho, PhD e antropólogo formado pela Macquarie University. orientado pelo também antropólogo prof. dr. chandra jayawardena, licenciou-se em história. estudou também direito, ciência política, negociação, planejamento e marketing. atualmente fatura alto em palestras motivacionais para empresas. e daí?

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no batido intuito de refugiar-se e procurar respostas definitivas para perguntas essenciais, algo latente em todos nós [vivas a são tomé!], e para dar vazão à veia antropológica, marins partiu numa jornada solitária [vivas a alex supertramp!] lá pelos idos dos anos 1970. decidiu refugiar-se no distante território dos aborígenes, no árido e desértico interior australiano [no caminho entre darwin e adelaide as temperaturas passam de 50ºC]. à época, eles viviam como os yanomamis amazônicos nos anos 1980: quase sem contato com a civilização. preservavam hábitos e costumes seculares e cultivavam lavoura de subsistência – plantavam o que podiam para matar a fome, dedicavam-se a algumas culturas primárias e, em especial à caça. a fome era realidade.

na região, predominam os Dromaius novaehollandiae, ou emus. primo da brasileiríssima ema, o bicho é símbolo de prosperidade e associado pelos aborígenes a um sem número de ritos sociais e culturais. durantes alguns meses por ano, é seu único banquete. por isso, tudo, todos os processos, da mudança do tempo aos rituais de passagem dos aborígenezinhos, era associado ao emu.

marins encontrou muita resistência à sua integração com o povo, mas após alguns meses, estava completamente inserido na cultura e nos hábitos da tribo. fazia as refeições junto do pajé e dos sábios e lhe era sempre conferido lugar de destaque nas discussões mais importantes do povo.

o ritual da primeira caçada era a manifestação mais importante para aquele povo: o emu mobilizava toda a comunidade. mulheres pintavam-se e se enfeitavam. meninos eram treinados física e psicologicamente para enfrentar testes e provas exaustivas para ingresso na fase adulta, peças eram encenadas, cerimônias realizadas e casamentos celebrados com inspiração na primeira caçada ao emu. marins sentiu, ao longo dos meses que seguiram, a importância do animal para a tribo. a fome, as dificuldades, o calor insuportável, tudo era minimizado enquanto se preparava para a primeira caçada ao emu.

chegou o dia. quando batedores rastrearam o bicho, todos os homens da tribo partiram em expedição para caçá-lo. na frente, os batedores mais experientes, os mais velhos, o pajé e marins, como convidado de honra – já ganhara a confiança, o respeito e a admiração de todos. no segundo dia da expedição, eis que ele, o antropólogo maluco, enxerga o primeiro emu. ele vira para o restante da expedição e, aos berros incontidos, não segura a emoção:
- “o emu, o emu!! “ali, ali na frente, atrás daquele arbusto”!!! um emu, eu vi um emu”!!!
o pajé, do alto de seus cronológicos oitenta e tantos, vira para marins, dá um sorriso maroto e diz:
“meu filho, olhe à sua volta: o emu está caçado há meses”..

9 comentários:

Gabi Goulart Mora disse...

Mas talvez a ansiedade acompanhe o frio na barriga, a emoção e a vaidade de pertencer ao grupo e fazer coisas supostamente importantes. Já caçou seu emu hoje? :)

ag disse...

humm, possibilidades, gabi goulart. tudo são possibilidades. acho que esse post é complemento do último e o segredo de fátima parece ser a curtição do momento..

Tati Reuter disse...

André! Mi seu texto ontem mesmo, mas não queria comentar agora, porque estou extremamente contaminada e muito p da vida com uma matéria que li na NatGeo desse mês sobre casamento ilegal no Rajastão... mas é o seguinte: acho sua história ótima! Também não entendo pra quê a pressa pra maior parte das coisas da vida (apesar de eu ser meio agoniada pra um monte delas também...). Gosto de novas perspectivas e gosto do tempo de acontecer e da sabedoria que carregam. Sou a favor do processo muito mais do que dos resultados... mas, como tudo tem seu tempo e tudo é relativo (pareço "a louca" falando), não deixemos também ao sabor dos acontecimentos, mas uma matéria nova a ser escrita tem prazo curto com razão provavelmente (no mínimo mercadológica), à exceção da própria NatGeo que segundo a reporter, tem prazos surreais de extensos... não saiu nada muito útil daqui hoje... mas eu queria muito ver a cara desse seu amigo quando da reação do pajé. Deve ter sido incrível.

Anônimo disse...

tempos de AM - ansiedade máxima. isso tem me afastado um pouco dessa tipologia de gente. continuo mais pra zen budista que pseudo caçadora de emus.
bjs!
cris dias

ag disse...

mili diria "zen-vergonha"..

Anônimo disse...

Ouvi dizer que alguns Emus passam a maior parte de suas vidas virtualmente "incognito", mesmo vivendo debaixo de nossos proprios narizes...
P-Sanha

Marcia disse...

Emuuu!!!!! Saudades de ouvir vc contando essa estoria. A primeira vez que vc me contou foi há 12 anos. Queria tá do lado do pajé e ouvir ele falar isso. Más despacio, essa tem sido a minha sã filosofia tb. Cada dia mais.

Gabi Goulart Mora disse...

Qual dos 3? Sofrimento por falta de fé?

ag disse...

acho que é uma combinação entre carpe diem e a atenção plena do budismo. taí para começarmos a usufruir..