sábado, 19 de novembro de 2011

procura-se eduarda


ovídio nasceu em 43 a.c. a data é longínqua, mas as reflexões do poeta sobre os mistérios, as complicações, as exaltações e as agruras do amor romântico parecem mais atuais do que nunca. por meio da poesia do livro III de seu épico “A arte do amor”, o italiano escreve sobre o que colocaria duas pessoas “na mesma rota”. o assunto parece meio repetido, mesmo no espaço do blog [de acordo com um raro diamante cor de rosa, eu usaria o espaço para terapeutizar monstros internos e, empoderado e protegido, enfrentar o mundo exterior e expor meus devaneios com mais legitimidade]. mas a cultura contemporânea fez várias contribuições para a análise da questão. uma delas, a película chasing amy [1997], ícone da cultura pop dos 1990.

o amalucado kevin smith já havia nos presenteado com clerks [1994] e contava com algumas produções autorais no currículo. mas em chasing amy o cara brindou com bom champagne à famosa geração X [não por acaso, a minha] e propôs uma reflexão simples, mas contundente sobre um tema que não pára de me fascinar: encontros, desencontros e reencontros. para quem já leu alguma coisa de alfred kinsey, biólogo que revolucionou a sexologia na década de 1940, talvez o filme não proponha nada novo. mas tem, sim, mérito. trabalhou com bons atores em começo de carreira, e discutiu a juventude dos anos 1990 com criatividade similar à do genial some like it hot (1959), de Billy Wilder. tem um Ben Affleck charmosão e loser, um amigo metralhadora giratória, sarcástico e igualmente loser, Joey Lauren Adams chatinha mas charmosa. a direção é ágil para a época, apesar de hoje parecer meio datada.

o enredo é simples: holden [Affleck] e alicia [Adams] são cartunistas ilustradores que se apaixonam a partir de um encontro pouco usual. mas os dois têm passado tão similar como sérvios e croatas. além disso, ela é lésbica. ou melhor, bissexual. holden não tem maturidade para encarar sua orientação nem seu passado. a maneira idiossincrática como a estória se desenrola desestabiliza a relação fraternal de holden com banky, melhor amigo, roomate e também cartunista. há momentos memoráveis - como o que holden propõe um threesome entre eles, para nivelar experências. mas também há reflexões sérias sobre temas sérios, como a hora em que holden se declara e ela, furiosa, acha injusto, exatamente por se considerar lésbica e bem resolvida quanto a isso. e alicia realmente era. mas preciso é navegar.. viver é outra coisa.

a condução do filme é leve, descomprometida, gostosa, genial. holden não consegue processar o passado “sortido” de alicia, que viveu as loucuras da mocidade e também transou com homens nos primórdios da faculdade. a previsível e patética insegurança de nós homens brota com força. em determinado momento, um amigo discorre sobre o platonismo da paixão, e sobre como procuramos – em vão, claro, por uma alma gêmea, um par perfeito. cita o exemplo de um amigo que se apaixona por uma tal amy. eles namoram até o cara terminar a relação por ciúmes. quando ele finalmente entende a merda que fez, claro, passa o resto da vida procurando por sua Amy..

a insegurança de holden cristaliza-se e acaba por minar a relação, estraga a beleza do encontro. criticá-lo seria cruel: quem, envolvido de cabeça em uma relação amorosa tem total controle sobre ela? no máximo, se conduz a própria participação.. parece mais do mesmo? sim, claro. quem já não viu esse fime? talvez a tônica da existência seja mesmo uma eterna, cruel e ingrata procura pela amy de cada um. pela felicidade. pela redenção da imaturidade, da burrice.. do desencontro. mas o caminho até essa percepção é cruel e as dificuldades, plurais. não podemos, assim, complicar o que já é difícil. que cada um corra [ou não] atrás de sua amy e liberte-se de preconceitos, fórmulas e traumas: agarre-a!!! que se busque uma relação passional, mas justa, sã, equilibrada.

por fim, não se pode desprezar a possibilidade de a Amy estar.. em cada um de nós. mais ou menos, a tese dos escritos apócrifos de são tomé: crê num pedaço de madeira e a felicidade lá estará. ninguém precisa de intermediário para a plenitude.