domingo, 9 de dezembro de 2007

a chacara da albertina [ou, o resgate]

- ei, você é a cara daquele ator da novela das seis – a frase veio da sexta ou sétima morena enfileirada naqela parede inesquecível, especialmente para alguém fiel à crusada para ‘salvar a vida de um amigo’, como era meu caso.
- hã? falou comigo? - a essa altura, me divertia horrores e a viagem já valera a pena. mas havia o pânico da simpatia revelar-se, no fundo, estratégia da jovem para melhor oferecer o produto da casa: mulheres. mas eu não poderia continuar gastando r$ 8,90 em cada cerpinha!!! eu simplesmente não tinha mais fundos. mas acho que vale a pena retroceder um pouco no tempo para contxtualizar o[a] leitor[a].

brasília, dia frio do inverno de 1994. cantina do araújo, fa, unb.
zé, mike e eu discutíamos a respeito da situação periclitante de mike: o cara precisava trepar. o tempo em que não sentia o inesquecível aroma de uma vagina contava para mike não em dias, ou meses, mas já em anos. como nenhum de nós era suscetível a moralismos imbecis, o grupo encontrou uma solução pragmática: mike contrataria os serviços de uma profissional do sexo. zé era de ribeirão preto, cidade tão provinciana quanto divertida do nordeste de são paulo. como na época éramos todos estudantes, sem grana ou carro, aproveitamos alguns feriados na terra natal de zé. e aí nos lembramos de que havia sido divulgada, ainda nos anos 80, uma pesquisa sobre os melhores prostíbulos do brasil. e onde estava o melhor? exatamente em ribeirão preto: a ‘chácara da albertina’. concordamos logo que a única razão para não se pegar uma puta era a falta de grana. e na época ela era realmente escassa.. e mike topou. marcamos a viagem para o feriado de 12 de outubro. durante o tempo que passou rápido de julho a outubro, preparamos cirurgicamente a viagem, em especial a parte financeira. mike orçou cada centavo que gastaria, pois nada poderia atrapalhar aquele plano.

estávamos bem acostumados ao roteiro brasilia - ponte alta - catalão - uberlândia - uberaba – ribeirão preto. mas dessa vez, a viagem passou mais rápido e bem mais divertida. chegamos a ribeirão por volta de sete da matina e rumamos direto à casa de zé, onde, como de praxe, fomos muitíssimos bem recebidos. tradução: muita comida para os cinco dias que passsaríamos lá, graças à irmã ‘boleira’ e Zé, e dois freezers cheios de cerveja – sim, na casa dos pais de zé havia dois freezers, o que eu achava impressionante.. graças a seu pai.

após um primeiro dia de reconhecimento de terreno e menos 3/4 de cerveja em um dos freezers, chegava a hora de implementar ‘o plano’. no dia anterior descobrimos que o puteiro ficava no bairro em que moravam os pais de zé: tudo conspirava a favor. nas referências que conseguimos ao planejar a viajem, a chácara da albertina ficava na saída da cidade: década de 1980.. obviamente, mantivemos o real propósito da viagem em segredo. descobrimos também que se entrássemos na chácara antes das 15h [isso mesmo, três da tarde] não pagaríamos entrada, o que na época representaria um colossal gasto extra. pronto. duas e pouco da tarde, rumamos à famosa chácara no estilo ‘o incrível exército de brancaleone’: mal vestidos, bêbados, e rindo à toa. conseguimos entrar antes das três horas - êba.

o local era suntuoso. apesar de meio decadente, tinha algo de copacabana palace em área ribeirão-pretana. era possível sentir que gozara de grande prestígio entre os abastados plantadores de cana-de-açúcar em décadas passadas. na entrada havia um enorme salão, colunas romanas de gosto bem duvidoso e uma igualmente enorme piscina na lateral – puta, que nojo, já emendou zé. como eu era muito trash à época, já pensei loucuras naquela piscina. mas bastou uma rápida olhadela no cardápio para constatar que não podíamos nos animar.. eu e zé tínhamos grana apenas para duas, no máximo três cervejas enquanto a vida de mike era resgatada. e o resgate teria tempo limitado: duas horas. não importa o que acontecesse, mike deveria ser salvo nessas duas horas. a primeira medida indoors era escolher o salvador, digo, a salvadora.

dez meninas enfileiradas de forma organizada, como novilhos para o abate, assistiam novela. a vantagem de se entrar cedo em um puteiro é pegar o elenco no começo de expediente e ter opções, digamos, mais higiênicas. mike, que sofre de timidez aguda, já tremia antes mesmo de escolher. porra, o cara decide trepar com uma puta, vai ao local, mas trava na hora de escolher! foda. zé, que apresentava um nível particular de escrotidão, se divertia com tudo, enquanto eu também tremia, mas por outro motivo: não conseguia esquecer de que uma cerpinha custava r$ 8,90 !!! eu já contava mentalmente toda a grana que tinha para passar as duas horas – não comeria ninguém e ainda sairia de lá fodido, sem grana. mas continuava impressionado com o local. minha concepção ‘inocente’ de puteiro era a imundície dos recintos do setor de diversões sul em brasília. o conic. pois bem, a moça já trouxe, de cara, um balde cheio de cervejas. eu metralhei: - mike, escolhe logo a porra da puta, pois não tenho grana e vou ter de passar duas horas aqui!! o cara agora estava muito tenso. não conseguia sequer falar. zé divertia-se somente olhando aquela fila de putas que, por sua vez, divertiam-se mais do que todos nós juntos. a novela rolando, eu pressionando mike, zé rindo como criança.. de repente, mike, do meu lado, aponta com o queixo.
– qual, mike?
– aquela, ele balucia.
– hã? qual?
– aquela, com o vestido branco.
achei boa escolha, apesar de não haver diferença qualitativa gritante entre as moças. tudo bem, devido ao seu nível extremo de tensão eu queria mais que ele escolhesse logo, subisse à porra do quarto, e finalizasse o trabalho. ele estava num nível extremo de tensão. eu mesmo tive de chamar a escolhida, que ‘pegou’ mike e levou para cima. achei que o cara broxaria, o que seria foda: gastaríamos tubos de grana, enrolaríamos duas horas bebendo duas ou três long necks e.. para fechar a tarde com uma brochada. mike não apenas não desopilaria, como voltaria a brasília mais tenso, mais nervoso e mais pobre.. tudo bem, valeria pela aventura.

enquanto esperávamos por mike, eu e zé começamos algo que parecia inevitável para dois jovens de 20 anos, dada a situação: estabelecemos contato com o restante do ‘elenco’. uma hora depois estávamos em meio ao grupo, como mascotes, rindo pra cacete. uma delas vira e me diz que pareço ‘moço da novela das seis’. referências novelelísticas para mim já soavam hebráico desde aquela época. detesto novelas há muito tempo. mais ainda, detesto o que elas representam – o país condena quem fuma maconha, mas aplaude a diversão diária ‘pós-jornal nacional’.
- quem? – perguntei.
- aquele. claro que ela me deu uma referência que explicava menos ainda. mas esse primeiro contato foi importante: começamos a quebrar o gelo e me diverti bastante. mas o tempo ia passando e nada. meia hora, uma hora, duas horas e nada. exatamente duas horas e treze minutos depois, mike aponta… o sorriso em sua cara só não era maior do que o rombo em sua conta bancária. parecia que tinham injetado botox no rapaz. sua felicidade revelava: job done. mission accomplished.

gastamos praticamente todo o terceiro dia consertando e montando um barco do playmobil, achado nas coisas de criança de zé, enquanto esvaziávamos o segundo freezer de cerveja e conversávamos à beira da piscina sobre banalidades. ainda saímos nas noites restantes, mas a sensação de dever cumprido era tão gostosa que nada nos preocupava mais. com a ajuda de michelle, morena bem curvilínea da chácara da albertina, havíamos realizado um bem sucedido resgate.