sábado, 6 de junho de 2009

do trem azul a merchant

toda vez que leio algo sobre maria rita, lembro-me de elis regina, maior cantora do Brasil, quiçá, uma das melhores do mundo. aprendi a escutar elis por influência de meu pai, que tentou de tudo para que eu fosse fã de MPB: não funcionou. à exceção de elis, sobrou pouca afinidade com a música brasileira cantada devagar, baixinho. mas também não me empurrem para o atual universo lesbos das cantoras, ou as revelações regionais. não, isso não faz minha cabeça. mas com elis era diferente: não sou fã de MPB, mas aquela maluca que gesticulava sem parar nos palcos, tinha uma voz unicamente aveludada. eu nunca havia escutado nada parecido. e com meu pai fui aprendendo aos poucos seu repertório. de pérolas com tinta regional, como romaria, a clåssicos incontestáveis como trem azul, ela é fascinante.

eis que descobri, há exatos dez anos, uma cantora americana que, apesar de estilo totalmente distinto, me lembra muito elis regina: natalie merchant. remanescente da ótima banda ‘ten thousand maniacs’, merchant atinge o tom mais aproximado do veludo, produzido pelo mundo pop. espécie de elis com ascendência irlandesa [óbvio], natalie encanta pelo tom menos potente, porém, igualmente sensível, de sua voz. quer seja com medalhões regravados, aos quais confere inequívoco tom personalizado, como space odity, ou obras-primas fantasiadas de desesperança, como beloved wife, ou the gulf of araby, ela chama atenção, sem querer chamar atenção.

ativista política e social, democrata de carteirinha e criativa, merchant é o tipo que faz um homem pensar: quero uma mulher assim, sem apêndices, sem correções, sem ajustes. porra, não consigo imginar ana carolina gravando um disco em homenagem a allen ginsberg. natalie gravou. tá, e daí? sei lá, eu gostaria de poder escutá-la ao vivo de tempos em tempos. melhor, queria contratá-la para pocket shows particulares mensais. viagens à parte, perdi a oportunidade de vê-la em seu primeiro registro solo ao vivo – live in concert in new yok city, por 4 meses. pena. ana carolina toca no faustão, natalie merchant, não. pena?

ela tem poucos discos, e o melhor deles, para mim, é ophelia, aquele em homenagem à ginsberg. um disco belo, dotado de lirismo raro, letras introspectivas que retratam o universo fluido e etéreo do poeta da lisergia.

por tudo isso, ergamos o pint para um merecido brinde à sra. merchant.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

'stand by me' ludovicense

já se vão mais de 20 anos do inesquecível verão de 1986, na grande são luís do maranhão. eu era um jovem atrapalhadamente tímido e orgulhosamente deslocado. tal perfil retroalimentava hábitos pouco ortodoxos para um menino residente na beira da praria de uma pacata capital nordestina. um deles, cultivado até o presente, é o de ir ao cinema sozinho. sinto um prazer esquisito, sem explicação [nem tanto], e ainda pouco compreendido, que tem muito menos a ver com solidão do que com individualismo. naquele ano, fui ao cine tropical assistir stand by me, atraído pelo roteiro do spielberg, pela música épica de john lennon e, claro, fascinado pelo trailler, assistido um mês antes.

o caminho ao cine tropical, desde a casa da minha vó, passava por um longo [ok, precepção pré-adolecente] terreno baldio que, se não podia ser considerado perigoso, era bem ermo. atravessávamos uns 2 kilômetros de mato, manguezais e estradinhas, para cruzar a segunda metade da ponta do farol [o bairro] e chegar ao tropical, única diversão de então, para a juventude dourada de são luís. eu ainda tinha 12 anos e até então só havia ido ao cinema com amigos, ou pais; nunca sozinho. confesso que ponderei. tinha medo de cruzar o caminho sozinho, não pelos motivos de hoje em dia, mais associados à violência gratuita e absurda – queimam-se índios e pais como quem fuma um baseado, mas receio de mim mesmo, de não achar o caminho, de não conseguir, de.. sei lá, medo. naquela época, andar sozinho me fascinava: e eu associava liderança, esperteza, traquejo, aos meninos que andavam sozinhos, que iam à escola de ônibus, sem os pais, que iam à praia surfar, sem ninguém.

pensei, reli a sinopse do filme: quem era river phoenix?! ah, mas tinha richard dreyfuss, do jaws e close encounters. “grupo de meninos parte em busca de um cadáver em aventura que mudará o curso de suas vidas”, dizia o cartaz. não sei se era apelação marketeira, mas não dava para resistir. fui. e não aconteceu nada demais durante o trajeto. sozinho, a única diferença foi o tempo demorando mais a passar, nada mais. chegando ao cinema, porém, me senti importante pra cacete! porra, tinha 12 anos e conseguira chegar ao cinema, a pé, sozinho. estava para completar uma grande aventura. senti excitação, felicidade, vontade de ir a pé a todos os.. 3 cinemas da cidade. estava realmente feliz. o filme seria a sagração, o ápice do cumprimento dessa fase, mas apenas um detalhe, se comparado à conquista, àquele sentimento de superação tão relaxante, e que na mocidade é inesquecível.

a saga de gordie lachance e seus amigos, contudo, representou muito mais, marcou muito mais do que o esperado. foi minha entrada efetiva na adolecência. a partir daquela tarde quente de verão, filmes não seriam os mesmos para mim, o caminho até o cinema não seria igual – já havia sido conquistado; eu passaria a não mais entender as coisas, perceber fatos e pessoas da mesma forma. o efeito bombástico que a história tem na vida dos quatro amigos misturou-se à minha própria percepção da realidade. da mesma forma que lachance nunca mais veria castle rock – a cidadezinha em que se passa a ação, da mesma forma, são luís havia encolhido para mim, em uma tarde.. eu gostava de viver lá, mas a cidade começava, definitivamente, a parecer menor.

de são luís, fica a saudade de uma época inesquecível, adolecência tranquila, solta e sem pressões, vivida entre a praia e o mangue. do filme, lembro da personagem de dreyfuss – lachance adulto, dizendo que nunca mais teremos amigos como os que tivemos aos 12 anos. não sei se concordo, mas faz sentido..