segunda-feira, 3 de outubro de 2011

alquimia

há cerca de vinte anos tive acesso a um manuscrito intrigante: “a alquimia das paixões”, do mestre ovitac sorrab. acho que o livro nunca foi publicado, mas isso não vem ao caso; me chamou atenção para um tema inusitado: o momento em que duas pessoas se notam, percebem-se no meio da multidão, e se aproximam, se conectam. seria, a meu ver, a conclusão bem sucedida da fase de flerte. mas o que faz dois estranhos cruzarem o olhar no meio da multidão? por que a pessoa com quem trabalho, convivo, tomo café, me reúno, discuto besteiras – como a reforma do prédio, e coisas importantes – como a crise da grécia, de uma hora para outra, transforma-se em uma pessoa interessante, atraente? mérito dela ou mérito e espírito aberto de quem nota? mérito do acaso? obviamente estou bem distante de respostas para essas questões. sei que o momento de ambas é determinante para a evolução do encantamento, para a efetivação do flerte. e para a paixão. a simples procura por uma explicação mostra-se um exercício delicioso.

me lembro da boa história de bram stoker’s dracula. a certa altura, o conde, transmutado em lobo, possui lucy, a prima ruivinha de mina, sua alma gêmea. entreolham-se e mina, horrorizada, é hipnotizada pelo bicho. drácula conclui que não, ele ainda não poderia interagir com seu amor. dezenas de páginas mais tarde, ao desembarcar em uma charmosa Londres vitoriana, o conde está elegantíssimo, de fraque de veludo, cartola e luvas de pelica. assim que desce de sua carruagem, lá enxerga mina. dessa vez, ele atrai sua atenção para que os olhos se cruzem. faz questão de ser visto, notado. a versão para cinema, de coppola [o pai] é ótima e retrata bem essa passagem.

a “alquimia das paixões” combina vários elementos não encontrados na tabela periódica, para explicar a tal relação entre encontros, desencontros e reencontros. claro que frustrações e projeções reproduzidas historicamente, por vezes, complicam nossa capacidade de apreciar os sinais emitidos pela outra pessoa. nessa hora, vale prestar atenção na linguagem corporal, nas nano-dicas, na sintonia fina e nos sinais conscientes e inconscientes emitidos. podem ser percebidos no club da moda, no avião, na padaria, na feira ou no pet shop. despertam a atenção do outro, com base em critérios racionais – "fulana tem cabelo curto e eu acho charmoso", ou nem tanto – "tenho de encontrar aquela ruiva com o símbolo do infinito tatuado no pulso esquerdo, que todo sábado dança - senhora de si no canto direito da pista da casa da matriz. de frente para o dj e de costas para o público".

o mais importante: quem determina se vai acontecer, o que vai acontecer, e quando vai acontecer é mesmo o timing.. mais importante que a estética, o tesão, ou mesmo as afinidades, o timing cruza olhares e dita as possibilidades de cada relação. é ele que pode decretar a morte prematura, a simples sobrevivência, ou a explosão da paixão. aí não há como não lembrar, mais uma vez, do casal jesse&celine, de before sunrise/sunset. com 22 anos, brincaram com o destino, por achar que se tem todo o tempo do mundo e que esbarraremos sempre em pessoas especiais.. isso é um absurdo. dez anos depois, reconhecem a estupidez da mocidade. e pagam alto preço por ela..

fui ao show do the cure em são Paulo, 1996. naquele frio 23 de janeiro conversei com um casal quarentão de BH que havia se conhecido no show da banda no ginásio mineirinho, em 1987, quase dez anos antes. estavam juntos desde então. pareciam genuinamente felizes, leves. inveja boa. seria uma bem sucedida história de amor, ou um exemplo corriqueiro de união que deu certo, a partir da aproximação.. flerte por afinidades musicais? vai saber.

o passado nos constrói e o futuro nos guia, mas a essência é o presente que vivemos, ou, que escolhemos viver. esse presente é – ou deveria ser um somatório de infinitas possibilidades. fiquemos atentos: talvez uma dessas possibilidades revele alguém que merece ser notado e dê chance a uma experiência fantástica..