sábado, 13 de março de 2010

i know.

sempre gostei de cinema. e sempre fui atraído por um aspecto peculiar dos filmes: seu final. a boa safra cinematográfica de 2005 produziu uma obra-prima, before sunset, para mim um filme com final digno de registro. já mencionei a película algumas vezes, mas estive outro dia discutindo o encerramento de filmes e acabei revendo “antes do antardecer”. chegou a hora de render-lhe nova homenagem, particularmente, à sequência final.

pensando sobre finais de filmes, me lembro, sem muito esforço, da breguice encantadora do final de dead poet society, da emoção da sequência final de cinema paradiso, mesmo do final politicamente correto de it’s a wonderful life. mas o “não-encerramento” de before sunset parece imbatível. a economia de palavras entre os protagonistas, após 80 minutos de quase-verborragia, culmina em sedução refinada entre os dois. o diretor richard linklater atingiu a maturidade estilística num filme para adultos, sobre crises, frustrações, sentimentos e anseios adultos. complemento perfeito para a primeira parte da sequência [before sunrise, 1994], que refletia as instabilidades, as besteiras e as confusões mentais típicas dos 22 anos.

a opção do diretor por planos bem longos, pouquíssimos cortes, e pela ambientação informal num passeio por ruelas de paris, foi acertada. linklater cria, assim, identificação imediata com o público. poderia ser uma revisão/discussão de relação no mercado do peixe de salvador, na rua do rosário [centro do rio de janeiro], ou mesmo no CCBB de brasília, numa tarde de céu vermelho. foi inspiração clara, dentre outros, para o delicioso .apenas o fim. [2008] de matheus souza.

em before sunset, o diretor cria uma atmosfera de crescente sensualidade e instiga a curiosidade do público sobre o que teria acontecido dez anos antes, entre jess e celine, personagens de ethan hawke e julie delpy. A conclusão da história começa a ser desenhada quando celine vai ao encontro do jovem, agora com 32 anos, na Shakespeare&Co. em paris, no lançamento do livro que jesse escrevera sobre sua viagem a viena, exatemente quando os dois viveram uma noite de encantamento e paixão arrebatadora. eles marcam um encontro para seis meses depois. obviamente, ele não se concretiza: quando se tem 22 anos, achamos que muitas pessoas especiais passarão pela nossa vida..

desde a livraria, o expectador é provocado a refletir sobre a relação dos dois. o que teria acontecido nove anos antes? teriam eles se encontrado? foi uma paixão de verão, ou um amor verdadeiro? a primeira pista é dada quando jesse pergunta se ela havia comparecido ao encontro, marcado de forma tão descompromissada.
- no, of course not – é a reposta taxativa de celine. mas à medida que a conversa flui, o encantamento mútuo revela-se apenas latente, não acabado. dez anos passaram-se, mas a simbiose era a mesma e o quebra cabeça da paixão de ambos havia apenas perdido uma peça, um pequeno elo que inviabilizou a continuidade. jesse está um pouco envelhecido [hawke fuma pra caralho], mas “little cross-eyed” celine não mudou quase nada. as aparências são frágeis e em uma sequência eletrizante, ele confessa que seu casamento é falido e ela cospe dez anos de frustrações e infelicidades pessoais. a vida não é tão bela como parece. e daí?

o filme é rápido e bem montado. a sedução aumenta e o climax parece ainda mais incerto. até jesse acompanhar celine ao seu apartamento. lá, mais sedução. sem nenhum dos clichés que Hollywood vomita diariamente, linklater constrói uma atmosfera infalível para revelar o final de sua história: paris. nina simone. revelações. celine protagoniza uma dança contida, mas com muito charme. E dispara:
- babe, you’re gonna miss that plane [jesse pegaria um voo de volta a nova iorque em instantes].
- I know – responde ele. certo. a escolha foi feita e o desfecho, perfeito. ‘quandos’, ‘comos’, ‘ondes’ e ‘porquês’ podem ficar para uma eventual sequência..

[para sofia, marcelo e daniel, companheiros de filme, viagens, crises e caipiroskas naquela tarde de 2005]