sábado, 10 de novembro de 2007

licor de menta [para o grande betao]


estava há uns três meses em brasília, estudando para o vestibular, sem obviamente a menor idéia do curso que iria fazer. apesar de natural daqui, havia passado os últimos sete anos fora da cidade e estranhava tudo: arquitetura, concreto, pessoas. como esgotei meu saco para estudar ainda no segundo grau, matriculei-me num cursinho, unicamente para me acostumar à tal metodologia cespe de avaliação [a famosa “uma errada anula uma certa”, algo até então inédito para mim]. e lá acabei fazendo amigos: é mais fácil quando se tem dezessete anos. e eu era apenas um jovem semi-inocente e quase bem-intencionado.

no cursinho, nada de novo no front: putarias, brincadeiras, algumas boas aulas, inconsequências e apelidos, muitos apelidos. alguns até bem criativos. deixei de ser andré para me tornar, por um tempo, “araponga”, alcunha de uma personagem novelística de tarcisio meira, memorável. culpa de um topete cultivado intencionalmente à la morrissey [quando eu ainda era dotado de cabelo].

as coisas corriam bem normóides quando conheci betão, figura bem mais velha e esquisitíssima da “turma de baixo”. eram três turmas de pré-vestibular: térreo [os normais], onde eu estudava, primeiro andar [os cdfs.] e subsolo [os degenerados]. em princípio, a figura de betão inspirava pânico: cabelo do capitão caverna e indefectível jaqueta do exército como uniforme diário, o cara reinava no objetivo como um pária. tinha aspecto meio sujo, meio barra-pesada. e meio gente boa, apesar do receio de me aproximar dele. fomos apresentados por um amigo em comum e a identificação veio fácil: pelo heavy-metal. o betão era aficcionado por iron maiden. pronto. a desconfiança e o receio viraram horas de conversa. a cada dia, trocávamos mais figurinhas e um mês depois, betão já era minha referência em brasília.

o cara tinha uns 25 anos [quando temos 17, achamos que ainda falta uma eternidade para os 25..] e a cada dia vinha com histórias e histórias “barra-pesada”, sobre mulheres, mais mulheres, sobre drogas, sobre rock’n’roll. eu não era conhecedor das mulheres, muito menos das drogas. então, viajava. escutava, de cara, curioso, maravilhado e completamente tomado pela vontade de experimentar um pouco daquele mundo, se é que ele realmente existia. eram histórias escabrosas.. numa época pré-orkut e pré-msn, aquele cara era um autêntico punk. cagava para o estabilishment.

numa sexta-feira de julho [ainda fazia frio aqui], betão veio com a proposta: “quer ir a uma festa muito doida”? o que seria uma “festa muito doida” para um cara absolutamente excêntrico, vivido e quase grotesco? eu ainda não conhecia ninguém em brasília além de meus primos. praticamente não saía. um pouco desconfiado, topei. marcamos cedo [ele sugeriu 21h, o que não entendi] e ficou de me dar uma carona. foi quando me disse: “a festinha vai rolar na unb, mais precisamente no ida [instituto de artes]. putz, vai ser meu primeiro contato com a unb e logo com artistas.. demais!!”, pensei. ele completou “ah, vai ser uma ‘festa do licor de menta”. “hã?! não gosto de licor. acho bebida de tia velha”. ele riu maliciosamente e desconsiderou o comentário.

estava bem frio e à medida em que nos aproximávamos do ida, passei a entender ainda menos o que estava por acontecer. o cara havia me falado sobre uma “festa muito doida”, o que me deixou bem curioso. mas não havia sinal de festa, muito menos doida, nem de licor de menta. a unb daquela época era bem mais escura que hoje, muito mal iluminada. meio assustadora até. e ele me pedira para usar roupas pretas. ótimo. para mim, isso nunca foi problema.

chegamos ao ida. pouca gente do lado de fora. pouca mesmo. mas betão encontra logo uns conhecidos, compra uma cerva, e eu compro outra. tomamos mais cinco, cada um, intercaladas por doses de “chora rita”, cachaça de baixíssima qualidade, deliciosa naqueles tempos. nas próximas horas, o povo começa a chegar. eu, completamente leigo, continuava sem entender nada. mas conheci uns caras, tomei todas e ia curtindo a noite. o som estava legal, muito rock. ali, havia pena de morte velada para quem falasse mal de rock. que saudade.. mas foi quando percebi algo: só havia homens!! socorro. cadê o “gataral” [para usar o termo de um amigo]? betão podia ser muitas coisas, mas não era nerd nem geek. mas eu estava na onda, estava bem.

por volta de meia-noite, toca um sino [agora eu entendia menos ainda] e todos entram para uma sala meio escura. um dos caras começa a ler um pergaminho e recitar versos, como num culto. me convenci de que a festa era realmente doida. de repente, surge na sala uma morena de vinte e poucos anos, muito sensual, gostosa, vestida com um robe de seda branco, do tipo peça de brechó erótico, barata, mas estilosa. por baixo, parecia estar nua.. mas claro que não deveria estar!! rapidamente, juntam-se mesas e está formada uma cama. a essa altura eu não entendia mais porra nenhuma! eis que amulher tira o robe quase transparente e estava mesmo nua em pêlo. em seguida, deita-se tranquila e com cara de safada. alguém aperece nessa hora com uma garrafa de conteúdo verde. não deu para ver o que era, até porquê a essa altura eu estava louco demais para enxergar o conteúdo de uma garrafa. betão solta: “é o licor de menta”. e aí me dei conta de que aquela sequência absurda de coisas era realmente uma festa doida.. um cara usando roupas pretas aparece e começa a recitar algo - dessa vez numa língua indecifrável - como se fosse um sacerdote druida preparando um sacrifício humano. parecia o clímax da noite. "deve ser uma típica manifestação artística" - pensei. "talvez uma instalação", do tipo que se mostra incomprensível a quem não é transgressor genuíno. me senti o máximo! e o cara conclui em alto e bom português: “a cerimônia está oficialmente iniciada”. e derrama todo o conteúdo da garrafa ao longo do corpo delicioso da morena, agora vestida, literalmente, de licor e salto alto. “puta-que-pariu-que-porra-é-essa?!” – deixei escapar em “quase-sussurro”. betão, meio bêbado, vira para mim e diz: “esse foi o brinde formal; agora, vamos celebrar a noite, tomando o licor"... noite memorável. definitivamente, o melhor licor de menta que "bebi" em toda minha vida. e nem me lembro da marca...

encontrei betão numa reunião de trabalho em são paulo, uns dez anos depois, de cabelos curtos [putz, ele parecia tão limpo!!], bastante desenvolto na explanação de um programa de inclusão social para portadores da síndrome de down. após a reunião, fomos tomar um café e conversamos bastante sobre a época do cursinho. chegamos a lembrar de algumas histórias, mas os tempos eram outros: nem falamos de bebidas alcóolicas..

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

começar pelo começo [ode às lideranças alternativas..]


brasília, quarta-feira mais quente do que o recomendado, padaria grão-mestre.

estava de férias na casa de um tio no rio de janeiro [mais precisamente, em icaraí, niterói] há exatos 17 anos, quando numa noite de insônia [em mim, ela é mais antiga do que o carbono 14] descobri uma estante interessantíssima. meio sem querer, vi um livro de shere hite, que me chamou a atenção. descobri que ela já era uma renomada sexóloga americana, autora de um sem número de livros sobre o tema. assisti, há uns 3 anos, ao filme “kinsey – vamos falar sobre sexo”, a respeito da vida do biólogo americano que marcou a década de 40 com teorias inovadoras sobre sexo, comprovadas a partir de muitas pesquisas. na minha opinião, shere hite e alfred kinsey são desses revolucionários que o mundo até descobre, mas não reconhece como tal. deveriam figurar entre os avatares da ciência moderna. desbravaram um dos campos mais espinhosos do conhecimento e, certamente, um dos mais marcados por tabus: a sexologia e suas implicações. hite começou a revolucionar a sexualidade feminina nos anos 60. kinsey desmistificou a forma como o homem americano lidava com o sexo já nos anos 40. esses dois estudiosos são, sem dúvida, minhas grandes inspirações “técnicas” para escrever este blog. digo técnicas, pois tenho como grande influência prática minha própria história, o estímulo de um grande amigo e uma de minhas grandes cúmplices e parceiras em alguns registros da época de graduação, a quem chamarei de 'a amiga da diana'. certamente esses dois eixos mesclam-se e se complementam para dar forma ao texto.

começo essas despretensiosas linhas inspirado por “sweet jane”, hino de uma de minhas bandas preferidas: velvet underground. nada mais propício: tem 'underground' no nome e seu vocalista, lou reed, foi casado com um travesti.. além de haver sempre se mostrado uma figura talentosa, criativa, introspectiva, inquieta, e amigo do andy warhol. não poderia ser de outra forma. nas próximas páginas, devo falar sobre minha fixação pelo rock, em especial, suas variações produzidas nos anos 80.

ainda procuro vencer o amadorismo e a confusão mental para colocar no papel 34 anos de viagens, bloqueios, aventuras, loucuras e lisergias que, de uma forma ou de outra, refletiram-se na total e absoluta quebra de preconceitos no campo sexual.
já havia concordado com a idéia. faltava decifrar a fórmula do ‘como’ fazer. depois de três heineckens, um sonho de creme comprado ontem e uma eisenbahn strong golden ale [vale a pena guardar esse nome], confirmei a idéia: será mesmo um blog. ora, nada mais indicado. usaria o recurso como "piloto" para alcançar algum público, com a comodidade de estar protegido pelo distanciamento da tela do computador; entraria de vez no século XXI, tão resistente que sou à tecnologia, e testaria uma idéia que ainda me causava certa relutância.

decidi começar da seguinte forma: breve resumo de minha adolescência em são luís do maranhão, e um mergulho na época do meu curso de graduação, já em brasília, where the real fun begins. ou não. lembro da frase cabalística de um professor de filosofia do direito, há quase 15 anos: "o homem é um ser biográfico, não biológico". sensacional. foda-se quem você diz que é. o que vale na vida é o que você faz!! cheers.

por hoje está bom.