sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

botas de buenos aires ou, da pequena arte de quebrar a cara.

um dos propósitos dessa vida esquisita é o aprendizado. mais especificamente, sobre conceitos cultivados há muito e que considerávamos inquestionáveis. quebrar a cara vira rotina, tomar no cu, padrão. desde a segunda infância, vivemos uma série de experiências que comprovam o pagamento da própria língua. uma amiga poetisa contemporânea brinca: “a vida começa cedo a nos enrabar sem ky”. pois bem. preconceitos perdem o “pré”, e a gente perde o ar superior que carrega desde muito, isso quando não ostenta a opinião como máxima insofismável, espécie de gesso virgem naquele pulso torcido. tento resistir, mas sempre tive alguns preconceitos muito fortes. um deles: associo, desde não sei quando, maturidade à idade cronológica, conceitos, como bem defende um grande amigo, que podem não ter nada em comum. a verdade é que às vezes meu saco de verdades fura e elas escorrem até o ralo.. as botas de buenos aires estão aí para comprovar. experiências fantásticas deixam de ser vividas por medos e receios nada fantásticos. a cereja do bolo está escondida, e temos de cutucar o chantilly para encontrá-la. dois momentos breves, várias barreiras implodidas. a maior delas, para mim, a diferença de idade, foi dizimada. como? fácil: afinidades. muitas, dentro do possível, claro. referências comuns, vivência e experiência encolhem e perdem importância para empatia, timing e cumplicidade. definir? é pra ansiosos. conceituar? é pra preconceituosos. aproveitar? é para sensíveis. seize the day ou, carpe diem, já dizia o keating. o que esperar? nada, esse é o segredo. no momento, dar vazão ao encontro de curiosidades parece interessante. a formação em psicologia revelou mais que o túnel velho de botafogo. o olhinho meio puxado, meio relaxado, meio sem foco [mas com direção] harmonizava com a firmeza dos movimentos, e o controle quase total da cena. sem querer, sem planejar e acho, sem premeditar, os dedinhos finos da mão direita passeavam pelo sofá até reencontrar a bochecha esquerda e rosada, amarrando uma cena que mais parecia um dos filmes legais sobre crises existenciais do woody allen nos anos 1980. a mão.. é sempre um capítulo à parte para qualquer homem sensível com mais de 40 anos. deve haver uns 3 ou 4 vagando por aí.. cinco dedinhos finos e macios massageando o copo.. sim, passamos facilmente do café à heinecken. a espuma dissolveu as desconfianças, e a distância entre um canto e outro da boca foi preenchida por um sorriso mais corajoso. ela já respirava mais relaxada e me olhava nos olhos. a conversa fluía e migramos para o sofá: a confirmação da afinidade, além de dinamitar barreiras, relaxava e dissipava o desconforto do primeiro e inusitado encontro até.. o toque. esqueci propositadamente minha mão na sua coxa. - parece muito a menina do crepúsculo, pensei. – mas também é a cara da nicole kidman. humm.. aquele pedaço de noite evoluiu sem surpresas, mas de forma excitante. o desfecho? que desfecho?! diferente de adso the melk, eu sei o nome da rosa..

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

cantinflas e o políticamente correto

vivo no país do futuro há quase 40 anos e só muito recentemente o Brasil parece ter encontrado o sucesso de seu presente. acostumamo-nos a uma felicidade morna, refletida num sorriso esquisito de canto de boca, misturado com a testa franzida. mas como se mede o valor de um sorriso? desde cedo essas questões têm me provocado reflexão. acredito que a arte de fazer rir é mais séria do que o drama, e me pergunto: será que essa arte tem mudado com o passar dos tempos? sempre tive mais identificação com as angústias humanas, mas não me lembro desde quando sou metido a engraçadinho. sátira e ironia poderiam ser meus sobrenomes e gosto dessa característica, me alimento dela. essa percepção começou com o gosto pelos elegantes filmes mudos de buster keaton, passou pelos geniais e escrachados three stooges até o mestre jerry Lewis. nessa tábula, deveria sentar-se mais um gênio, pouco celebrado: o mexicano fortino mario alfonso moreno reyes [1911-1993] ou, cantinflas. inspirou toda uma escola de fazer rir, e outros gênios, como o próprio jerry lewis. casado por 56 anos com a atriz valentina ivanova, cantinflas fazia rir com um simples revirar de olhos, e com um movimento bobo do rosto provocava o que jim carrey não consegue com todo seu repertório de caretas forçadas. o bigodinho ordinário e o olhar perdido, inocente, reforçavam a persona do camponês simplório e pobretão tantas vezes encarnada por cantinflas. ele era meio que o didi daqueles filmes legais dos anos 70 [quando os trapalhões eram 4 e ainda engraçados]: um fracassado, quase sempre à margem da trama principal, e que passava longe da mocinha. apenas contribuía para que o galã ligasse os pontos e amarrasse a história, que “fechava” bonitinha e equilibrada. mario moreno é pra mim um marco da contracultura hollywoodiana. em LA, fez poucos filmes e nuca foi integrado ao mainstream cinematográfico. ele equilibrava dois mundos aparentemente incompatíveis: vivia sempre o bom moço e ao mesmo tempo, o pária, o lado B. e a simples menção do politicamente correto me cansa.. vivemos num mundo absurdamente contaminado pela culpa – seja ela católica ou não, que tem produzido um exército de deprimidos e tem enriquecido a indústria de medicamentos com prozac, omeprazol, levitra etc. nesse ambiente culpado, sentir graça parece errado. rir parece estranho. e rir de coisa séria é um absurdo passível de pena de morte. minha adolescência foi cinza, mas não sei de que cor seria se eu não tivesse me entupido de angeli, laerte, TV pirata e jerry Lewis. que delícia nos distanciarmos do olho do furacão, olhar para trás e rir de tudo. o que aconteceu com o humor atualmente? num fôlego de criatividade, apareceram CQC e ´pânico na TV´. tudo bem, modernizaram a forma de fazer rir e ambos enfrentam com bravura a ditadura do politicamente correto. são, por isso mesmo, necessários. precisam existir. mas falta algo.. perdeu-se a naturalidade. o dom, antes intrínseco, enferrujou a até o talento parece pasteurizado, fabricado por encomenda. cantinflas teve uma carreira prodigiosa. fez 55 filmes e em alguns deles, também dirigiu, escreveu e cantou. no papel de passepartute no maravilhoso arround the world in 80 days, seu filme mais famoso, encantou gerações e provocou muito riso num contexto bipolar, esquizofrênico e claro, politicamente correto.