domingo, 16 de dezembro de 2012

once [ou, mini-cântico à solidão]

minha monografia de final de curso [relações internacionais, vale dizer] não foi sobre cooperação internacional, segunda guerra ou construtivismo, temas que adoro estudar, mas sobre a solidão. inspirada em “o cavaleiro do balde”, micro-conto de franz kafka que tivemos de roteirizar para a matéria “cinema&literatura”, tínhamos, também, de escolher um filme que ilustrasse o conto. à época, não consegui escolher um. até 2008, quando assisti once, de john carney. o filme é um libelo maduro, poético, realista, emocionante e completo sobre o [des]encontro entre um músico de rua e uma imigrante do leste europeu, que se conhecem em dublin. o encontro é casual e inevitável. a afinidade vem pela música e pela solidão. a paixão ultrapassou a película e glen hansard e marketa irglova [intérpretes dos protagonistas] apaixonaram-se na vida real e passaram a tocar juntos. chegaram a excursionar pela Europa. a desesperança é sentida nos acordes do violão e nas teclas do piano. dublin é o cenário perfeito para o encontro. obviamente, uma dublin chuvosa, fria e.. solitária. ele vive com o pai e trabalha na loja de conserto de aspiradores da família. ela vende rosas nas ruas para sustentar a mãe que não fala inglês e a filha de um pai ausente que ficou em seu país de origem. o começo da história é batido e sugere um filme batido. tinha tudo para ser mais uma historinha de amor redonda, chata, previsível. ledo engano. a batuta sensível e competente de carney surpreende e revela um filme econômico e sensível, lindo. é pesado com leveza. deveria ser simples e previsível, mas é surpresa. real, crua, dura, mas gostosa de se ver. o encontro rende a gravação de um disco, com músicos recrutados por anúncios em um mural especializado, como as grandes bandas se formam. as figuras são decadentes, mas talentosas e sensíveis. roubam parte das cenas e diluem o impacto da desesperança e da dureza na vida dos protagonistas. lembrei de “commitments”. só que nesse filme há a gordura da fantasia, do lúdico, do bonitinho. em once, tudo é mais real, menos fantasioso e menos cartesiano. o final é um brinde ao cinema de qualidade, uma antítese de frank capra. pegaram beaudelaire, um piano, folk “de raiz” e bateram no liquidificador. o resultado é um suco cheio de caroço, bagaço, pedaços. parece indigesto, mas é lindo. ps: a trilha sonora merece comentário à parte.. obra-prima!