domingo, 24 de junho de 2012

gran torino - ou, o bulldog sensível

há seis ou sete anos escutei de uma pessoa bem querida: - clint eastwood está envelhecendo como um bulldog. assistíamos a bridges of madison county [1995] e o cara ainda parecia meio normal. na hora, nem me sensibilizei. há três dias assisti, durante um cansativo voo internacional, gran torino [2008]. tive um monte de insights, e cheguei a uma conclusão interessante: passados quase 17 anos do primeiro filme, percebi que mr. eastwood havia mesmo envelhecido [e muito!] como um bulldog: enrugado, sisudo, afeto a papeis de velhos turrões, fortes e ranzinzas. com mais de 80 anos, parece um tanque de guerra. mas algo mais acontecera com o velho clint.. o começo de carreira foi em 1959 com a série rawhide. depois, vieram os clássicos westerns spaghetti que o consagrariam como galã misterioso cujo personagem não poderia ter nome mais propício: “the man with no name”. de lá ao cerebral gran torino foram quase 50 anos de uma sólida carreira. ao longo desse tempo, o proceso de brutalização física por que passou eastwood foi simultâneo a sua sensibilização como ator e, especialmente, diretor. o belo the bridges of madison county já revelava que sua mão parecia aço escovado para bater, mas era seda chinesa na direção. como pode? um ator de papeis tão brutos e um diretor de tanta sensibilidade. em 1992, viria o oscar merecido como diretor de the unforgiven. um western, claro. o soco no estômago veio com o impressionante, perturbador, e nauseante mystic river [2003], pra mim, sua mais forte película. na esteira, a million dollar baby [2004], vencedor do oscar e sucesso inquestionável de público e crítica, e letters from iwo jima [2006] poema bélico sobre o embate entre japoneses e americanos na década de 1940. a sequência parece ter pavimentado terreno para a maturidade plena atingida em gran torino. no filme, eastwood é walt kowalski, veterano da guerra da coreia que após a morte da esposa, passa os dias bebendo cerveja na varanda de casa enquanto espera pelo fim. mal humorado, rancoroso, deprimido e, claro, forte como um bulldog, ou um touro. o contato com o mundo real é seu gran torino 1972, que ele nunca dirige, claro. sua rotina patética é alterada pela chegada de novos vizinhos de origem vietnamita. valores são revistos, posturas são questionadas. não de forma tranquila.. afinal, para kowalski, a guerra ainda não acabou: ele maltrata a família, o padre local, e os jovens da vizinhança. mas desenvolve uma relação inesperadamente afetuosa com sue [ahney her] e thao [bee vang], jovens irmãos perseguidos por uma gang de orientais. o filme não poupa estômagos: a história é violenta, cruel, real e.. linda. a dinâmica da relação entre kowalski e tao amolece o coração do bulldog e transforma a vida do moleque. o desenrolar da história a partir desse encontro encurta o caminho para a vida adulta do jovem. o choque de gerações e de culturas entre os dois descortina uma bela amizade. as cenas em que a família de tao reconhece gratidão a Kowalski são as poucas pitadas cômicas da história. o desfecho é um pouco previsível, mas o caminho até ele, nem tanto. há equilíbio na condução da história. o jovem padre janovitch, que antevê a distorção provocada pela aproximação entre Kowalski e tao exerce um papel marcante e conciliador: há uma fossa abissal não apenas entre as duas culturas – oriental e americana, mas entre os dois mundos de Kowalski: equilíbrio e insanidade. essas linhas parecem um pouco atrasadas, mas acho que reconhecem um libelo sobre a diferença e a redenção. e o bulldog sensível acerta mais uma vez..

4 comentários:

Carolina Perdigão disse...

Esse bulldog já me fez chorar muito. Pontes de Madison ainda é um dos meus filmes favoritos de todos os tempos.
Beijo

Augusto Barros disse...

Clint é do caralho! Virou um dos melhores cineastas há anos!

Um dia ainda quero ter em casa a "trilogia dos dólares"....me lembra muito a minha infância assistindo "Corujão".

E eu fico imagiando por quê diabos não levaram adiante aquela ideia dele fazer o "Cavaleiro das Sombras" no cinema, um Batman envelhecido e deprê...seria perfeito!

Anônimo disse...

The Good, the Bad and the Ugly, para mim, eh sensacional. Lee Van Cleef e Eastwood estao perfeitos.

P-Sanha

Luiz Sérgio disse...

Todos os louvores a esse ET do cinema. Monstro mais que sagrado a quem persigo desde a juventude, na parceria com Sergio Leone e Ennio Moricone. Aliás, Moricone me lembra uma qualidade de Clint não lembrada por você: o grande pianista, maestro e compositor, autor de grandes temas em seus melhores filmes, no qual eu destaco Theme from Claudia. Gostava muito de uma cena dele tocando piano num bar de hotel, como agente do SS que protegia o Presidente Americano, apaixonado por sua chefe, Rene Russo. O tema da menina do boxe é dele, das Pontes... tb e penso que de todas as obras primas que realizou. Sua passagem como Prefeito de Carmell foi maravilhosa. Seu casamento com Sondra Locke, a parceria com aquele chimpanzé o a Magnum 45 niquelada ficarão na minha memória para sempre, vivo ou morto esse bull dog.