H21 - uma releitura do masculino
reflexões, besteiras e confissões - contribuições em geral para o entendimento do macho contemporâneo.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
Grigori Yakovlevich Perelman ou, o anti-pop.
a retomada é sempre complicada, seja de uma bola perdida, de um rumo errado na vida, da estabilidade romântica ou.. de um blog.
a Conjectura de Poincaré é um dos mais famosos problemas da Matemática em todos os tempos. Sou burro demais para tentar falar com propriedade sobre o tema, mas é algo como aprofundar o estudo de como as formas infinitas de um círculo circunsrito, limitado, podem ajudar a explicar abosutamente qualquer coisa. De acordo com a “Conjectura de Poincaré” ou, como conheci: a “Hipótese de Poincaré”, todo o espaço tridimensional fechado "sem buracos" tem uma forma essencialmente esférica. Formulada no início do século XX pelo grande matemático francês Henri Poincaré – também um dos principais artífices da Teoria da Relatividade – esta Conjectura permaneceu um problema em aberto durante cerca de cem anos. Até que, no final de 2003, o matemático russo Gregori Perelman começou a publicar na internet uma série de artigos científicos que contêm a solução proposta para o problema.
durante o século XX, a Conjectura de Poincaré foi um foco motivador para avanços notáveis na geometria e na topologia. a sua história, antes e depois da sua resolução, está recheada de personagens interessantes e episódios rocambolescos, que atraíram a atenção dos meios de comunicação mundial e do público em geral.
mas o que mais me fascinou foi a própria história de Perelman: seu perfil, genialidade e esquisitice: o cara era a antítese da figurinha repetida, do “arroz de festa”, um “anti-facebook” nato. Por isso, também, sempre teve meu respeito.
perelman pode parecer, em princípio, feito de carne e osso e é pouco mais velho do que eu: nasceu em são petersburgo em 13/6/1966, mas as semelhanças são mais frágeis que as “respostas sopradas ao vento” de bob dylan..
o matemático russo provou, em 1994, a “conjectura da alma”; segundo a qual pode-se deduzir as propriedades de um objeto matemático a partir de pequenas regiões desse objeto, chamadas de “alma”. graças ao feito, perelman foi convidado a ingressar em diversos grupos de estudo de muitas universidades prestigiadas dos estados unidos, incluindo princeton e stanford. sonho de consumo? talvez para a maioria, mas não para perelman. ele rejeitou todas as ofertas e voltou para o Instituto de Steklov, em São Petersburgo, no verão de 1995 para assumir um modesto cargo de pesquisa. em sua temporada nos EUA declarou: “ganhei dinheiro suficiente para viver bem”.
a hipótese de Poincaré foi incluída na lista dos sete problemas matemáticos do milênio, cuja resolução seria premiada com U$ 1 milhão pelo Instituto Clay de Matemáticas de Massachusetts, nos EUA.
em 1982, o matemático richard hamilton havia publicado um artigo sobre uma equação chamada “fluxo de Ricci”, com a qual suspeitava ser possível comprovar a conjectura de Poincaré. mas a tarefa era extremamente técnica e sua execução, complicada. após assistir algumas de suas palestras, Perelman lhe disse ter feito um estudo que poderia ajudá-lo nesses obstáculos. Hamilton, porém, não lhe deu muita atenção. Então ele acabou trabalhando sozinho, e em 2002 publicou o resultado de seus esforços. era a primeira de três partes de um artigo com o intrincado título “A fórmula de entropia para o fluxo de Ricci e suas aplicações geométricas”. O texto tinha 39 páginas e era assinado por ele.
embora o artigo sequer citasse Poincaré, quatro anos mais tarde surgiu o consenso de que Perelman havia, de fato, solucionado a famosa conjectura. duas equipes de especialistas se debruçaram sobre seu artigo para confirmar que não havia brechas ou erros, e a partir disso produziram estudos de centenas de páginas.
mais de um século de tentativas frustradas, e a hipótese de um matemático brilhante havia sido comprovada por outro matemático igualmente brilhante. com a descoberta, perelman recebeu uma chuva de ofertas – prêmios, cargos, honras, pagamentos em dinheiro, convites para conferências e fundos de pesquisa, as quais considerou, segundo relatos, profundamente ofensivas.“A monetização do êxito é o máximo insulto à matemática”, afirmou. como não ser seu fã?!
na sequência, rejeitou: a medalha Fields, equivalente matemático a um prêmio Nobel, por “suas contribuições à geometria e suas ideias revolucionárias”; um prêmio da Sociedade Matemática Europeia; o milhão de dólares que o Instituto Clay queria entregá-lo por solucionar um dos problemas do milênio. Perelman resumia-se a afirmar que se a teoria estava correta, não necessitava de outro tipo de reconhecimento.
ele logo deixou de falar com a imprensa; anunciou que pretendia abandonar a profissão e se aposentou para viver com sua mãe em um modesto apartamento. “não me interessa o dinheiro ou a fama. não quero estar em exibição como um animal em um zoológico”, disse certa vez. suspeito que o sujeito sofresse de uma mistura de asperger, psicose e agorafobia.
a comunidade científica lamentou por seu afastamento repentino.
que vontade de trocar uma ideia com esse rapaz, enquanto saboreamos um sbiten*!!
domingo, 3 de abril de 2016
- “a lambada é passageira: só o rock é eterno”! – escrevera o genial angeli lá pelos idos de 1988, em meio ao fenômeno das reboladas e “cabeladas” do grupo kaoma. Sempre desconfiei e torci por uma resposta que para mim era óbvia, mas sempre me perguntei, no fundo: teria o cartunista razão? apesar de big brother, waleska popozuda, wesley safadão e tantos outros cânceres culturais da atualidade, tive uma prazerosa e surpreendente indicação de que o cartunista estava certo..
hoje fui ao aniversário de uma colega de trabalho e de seu filho (sim, nasceram no mesmo dia) de 18 anos, recém-aprovado no vestibular na universidade federal do maranhão. Celebraram num delicioso picknick no gramado interno de uma superquadra de Brasília, cuja ocupação é tão demandada e celebrada nos dias atuais. A tal ocupação otimizada e organizada de espaços públicos. Pois bem. havia comidinhas, biritinhas, amigos, colegas e amigos de amigos. após cerca de duas horas, os colegas e amigos de guto conseguiram concluir a ligação elétrica que viabilizaria o amplificador para as apresentações musicais. Ou, como se queira qualificar a tentativa de produzir algo semelhante ao que se convenciona chamar de.. música. Pouco importa. O marco histórico da apresentação da galerinha de guto – meninos e meninas cheios de espinhas, êxitos, insucessos e a inocência típica e quem tem a vida inteira pela frente, o mais importante – era a celebração musical que nos proporcionaram, mesmo sem saber o que estavam fazendo.
Vários jovens revezaram-se por cerca de uma hora no microfone e, pasmem!! nada das merdas citadas no começo do texto. Não foi a melhor apresentação que vi na vida - aliás, foi uma das menos profissionais, mais barulhentas, distorcidas e confusas, mas encerrou o domingo como meu Woodstock particular. Tocaram clássicos mais recentes do rock como pixies, REM e radiohead, mas também destilaram uma sequência de coisas-rock menos celebradas, como 4-non blondes e divinyls. Foi sublime escutar where’s my mind cantada por meninos magricelas e desajeitados, com timbres de voz ainda em formação, mas com a mesma paixão que deve ter estimulado frank black no primero acorde.
Igualmente inesquecível foi escutar creep interpretada por uma menina que deve ter “virado mocinha” dia desses, com paixão e transe comparáveis aos do próprio thom yorke. Sim, o mundo mudou e está pior. Mas também não há motivo para pânico generalizado. Nem sei se a lambada acabou mesmo. deve ter “evoluído” para alguma baianidade esquisito-chula, do tipo dança da tartaruga. Ou para algum funk lixo-deprê, tão comum e difundido hoje em dia.
Após o espetáculo, ficou a desconfiança de que angeli estava mesmo certo.. tomara.
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
Komya-san ou, das partidas de 2014
definitivamente, o ano de 2014 pode ser lembrado como trágico. acidentes aéreos inexplicáveis, renascimento da violência extrema no Iraque, massacre vexatório na copa do mundo e diversas e repentinas mortes de famosos parecem confirmar a premissa. As perdas foram significativas. foi-se joão ubaldo ribeiro, notável gente boa, que dedicava boa parte de seu tempo a encher a lata d’água-que-passarinho-não-bebe nas praias do sul da bahia, enquanto destilava [desculpem o trocadilho] refino nos textos.
da mesma seara, morre o gênio Ariano Suassuna. a cara da simplicidade, e baluarte do Brasil regional, ele sempre escreveu o que o povo sentia, do jeito que o povo queria. por isso, nos representava tão bem. é dele a ótima peça “A farsa da boa preguiça”, primeira visita que fiz ao teatro depois de me mudar para o Rio de Janeiro em 2008 – e começo do encantamento, à primeira vista (no teatro), por Bianca Byington.
foi-se a bela e icônica atriz Lauren Bacall, símbolo sexual dos anos 40 e 50, ex-mulher de Humphrey Bogart e uma de minhas “ídolas”. depois de Katherine Hepburn, Ava Gardner, Greta Garbo, Maureen O’Sullivan, Rita Hayworth, Maureen O’Hara e Ginny Tierney, entre outras, a partida de Bacall encerra uma linhagem seleta de estrelas da era de ouro do cinema americano.
foi-se Robin Wiliams. assim como Jim Carrey, Williams sempre foi bem menos engraçado do que acreditava ser e destacou-se mais em papeis dramáticos como o radialista louco e contestador de Good Morning , Vietnam! [1987], o professor carismático de Dead Poet Society [1989], e o mentor que enxergou a genialidade na rebeldia de Matt Damon em Good Will Hunting [1998].
eu demoro um ano para amadurecer a escolha de um candidato à presidência da república [alguém entre os incomentáveis predicados morais petistas (…) e o retorno a um passado totalitário não tão distante, e perigoso, representado pela turma do DEM] e o cara, pow!!! morre de acidente aéreo. além da perda, essa morte trouxe um problema giganteso, que me deu trabalho para ser resolvido até o último dia 03 de outubro.
entretanto, vou me reservar o direito de prestar homenagem a um vizinho.. o chef Ryozo Komya, comandante da melhor cozinha japonesa do centro-oeste, quiçá do Brasil, New Koto, morreu há algumas semanas. o restaurante fica a literais 100 metros do meu prédio e em tempos de lei seca constitui refúgio seguro onde é possível relaxar tomando um saquê decente e comer um fantástico tepannyake de anchova negra, saborear um bentô com toque caseiro, ou apenas tomar um missoshiro com saquê, enquanto se discutem coisas do dia dia. tenho certeza de que Komya-san está à esquerda de algum balcão celestial, observando o movimento, organizando o fluxo de pessoas e saboreando seu whiskey. a figura era o corpo e a alma do New Koto e a expressão “comida japonesa de qualidade” perdeu sua melhor ilustração em Brasília. a Komya, brindo com saquê!
fico confuso com a injustiça (divina?): afinal, como galvão bueno, ana maria braga, cláudia leite e dilmão ainda estão vivos?! bom, ainda temos mais de um mês até o fim do ano..
terça-feira, 3 de junho de 2014
-- Carvoeiro! --brado com a voz cava e crestada pelo gelo, envolto nas nuvens de fumaça da respiração. -- Por favor, carvoeiro, me dê um pouco de carvão. Meu balde já está tão vazio que posso cavalgar nele. Seja bom. Assim que puder eu pago.
"O Cavaleiro do Balde", Franz Kafka. tradução de modesto carone.
lembrança de minha monografia apresentada para a matéria "cinema&literatura", na UnB, em 1995.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
.fractais. [ou, uma formatura sem fim]
a fractal is a never-ending pattern. fractals are infinitely complex patterns that are self-similar across different scales.
[definição da fractal foundation, entidade americana que tem a missão de despertar, especialmente nos jovens, o interesse por ciência, matemática e arte, a partir da beleza dos fractais].
parece complicado, mas não é. toda repetição de padrões pode ser um fractal..
$$$
aconteceu há mais de 19 anos. mas parece que foi ontem. fui convidado ao jantar de formatura de um grande amigo – por acaso, filho de um ministro do stj. notem: jantar na casa da família, não a bagunça picardílica das festas ou a pateticidade pseudo-revolucionária - das colações. apenas um quadrado, comportado e singelo jantarzinho na casa dos pais do cara, em celebração à sua formatura.
fabrizio era um grande amigo. um entusiasta dos arroubos irresponsáveis do ca de porra nenhuma, fundado no calor da perda da eleição para o CArel em 1992. intercambiávamos bebedeiras, festinhas na embaixada da bélgica e a organização de exibições de filmes alternativos. fabrizio formara-se em direito com distinção. o cara é muito inteligente, culto. nossas discussões sempre agregavam, no mínimo, uma informação interessante. além do mais, ele era um entusiasta da nossa rebeldia juvenil.
na época eu tinha verdadeiro pavor de eventos ritualísticos, tipo casamentos, festas de formatura e [nem em sonho!!] batizados. mas um jantar na casa de um amigo querido justificava a quebra de resistências. nos organizamos – os três amigos convidados e fomos prestigiar o cara. as “prévias”, à época, eram regadas, pelo menos a álcool. muito bem, lá fomos, como de praxe, ao bom e velho botequim, na 210n [eu ainda frequentava aquela asa]. na saída, prevendo a caretice da recepção, decidimos apimentar um pouquinho a night e.. mandamos ver um lsdzinho. do bom, da gota congelada, que dissolvíamos na vodca ou no gin.
chegando lá.. putz!! o ambiente era muito mais formal do que eu esperava, mesmo para uma residência de ministro. móveis de tia-avó, cortinas com muito pano. e tapetes, vários. e o mais assustador: só havia família próxima!! no máximo, 15 pessoas. fodeu! temos de nos ambientar. mas.. acabamos de tomar um ácido! hay que endurecer, pero sin perder la ternura – pensei. o segredo é o controle. tínhamos de manter o controle: das funções cerebrais, da nova ingestão de birita [o pai de fabrizio separou uma garrafa de royal salute, um clássico da época, para nós três], da situação.
meus olhos começavam a se rebelar e ir a cantos que eu não conseguia enxergar.. tudo explodia em muitas cores. o copo que eu segurava, a mesinha de centro com a quina lascada, a cara da tia do meu amigo.. que onda! como em toda boa viagem, eu não entendia nada! nem reparei quando o anfitrião sentou-se com a gente. e nessa hora, puff! eu simplesmente “decolei”. lapso total. e o ponteiro pequeno ainda estava no 8!! que época boa: irresponsabilidade gostosa, conseqüências ministráveis.
mas foi um dos gaps temporais mais assustadores que já tive. me lembro de voltar ao plano real às 3 da matina, escutando o pai do meu amigo [ele possuía uma primeira graduação em matemática], me congratular:
- meu filho, parabéns. há tempos eu não tinha uma conversa tão interessante sobre matemática fractal! as abordagens de alguém tão jovem sobre padrões infinitos me impressionaram bastante! volte mais vezes, vamos conversar mais. [!]
eu já havia escutado alguma coisa sobre os fractais. mas no dia seguinte, recuperado e de cara, fui ler um pouco mais sobre o tema. e algumas coisas fizeram muito sentido...
sábado, 22 de junho de 2013
noite de miam miam [ou, modelo e atriz..]
doeu no coração, mas não dependia mais de mim: tinha de deixar mesmo o glorioso rio de janeiro. o Programa da ONU em que trabalhava anunciara fechamento da operação descentralizada, na mesma época em que conheci a mulher com quem juntaria trapos. ela não queria sair de bsb. eu não queria voltar. perdi. após um casamento inesperadamente feliz com a cidade maravilhosa, era hora de voltar pra brasília. paciência. pensei em stalin na rússia pós-Bolchevique: retroceder um pouco para avançar muito algum tempo depois.
pop que sou, marquei minha super despedida da cidade com os.. dois grandes amigos que tinha lá: o argentino gênio e a bahiana apimentada. tentei, mas por questão de agenda, não foi possível ir no meu local preferido: a champanharia ovelha negra da rua bambina [ovelhanegra]. sobrou o segundo lugar: o charmoso miam-miam [miam-miam], depois da rua da pasagem, subindo para o Rio Sul. o lugar é super transado: clean, moderno, bem decorado, ícone da cozinha contemporânea carioca e ponto de encontro de artistas e modernosos. tem cardápio bem sortido: pode-se comer de tudo e bem lá. vale muito o salmão gratinado com mascarpone!
cheguei cedo para garantir mesa, pois sentar-se no local pode ser tarefa ingrata. como na cidade eu usufruía de um eficiente sistema de transporte publico, não havia a preocupação mediocre com o binômio biritaxdireção. meus amigos já haviam dito que chegariam, juntos, em minutos. decidi ir rápido ao lounge e beber algo enquanto esperava mesa, pois a ideia era jantarmos, todos os três. os dois chegaram e decidiram escolher um drink no balcão. deu preguiça e eu acabaria meu gin no próprio lounge. é, eu ainda tinha saúde / vontade / pique para beber gin. e me divertia assim. pois bem. chega um pequeno grupo com duas mulheres realmente lindas e um ser saltitante e feliz. sentam-se os três à minha frente. pedem os drinks. chegam as bebidas. meus amigos acabavam uma conversa sobre uma baianidade qualquer. ok, posso beber um pouquinho mais. estou no clima. estou bem. acabo o segundo gin e sinto que estou realmente bem..
a ruiva-meio-loira-linda tá na minha frente. seu segundo drink acaba de chegar. pergunto, na lata:
- o que é isso?
- caipirinha de X [não me lembro mesmo!]
- posso provar? – minha cara de pau deve ser patológica.
- claro – linda e simpática, aquilo era tão pouco Brasília..
dois goles e adorei. acho que adorei mesmo foi sua atitude. e começamos, os quatro, a trocar impressões sobre a noite, a vida, a PUC-RJ, o coqueirão e londres.
- o que vc faz? – eu estava realmente curioso com a menina.
- sou atriz. ela tinha olhos esquisitamente verdes/azuis, lindos. eu estava intrigado. mas meu lado escroto é bem mais forte que eu..
- ah, aqui no RJ todas as mulheres dizem que são atrizes. sério, o que vc faz para viver?
- ao perceber minha lerdeza e ingenuidade [eu verdadeiramente não a conhecia], ela riu e sinto que começou a curtir a situação.. os dois amigos distancaram-se um pouco e ficamos praticamente a sós no lounge. perguntei sobre algum trabalho dela, para que eu pudesse me situar.
- estou na novela das oito.
- de que canal?
- globo.
- me desculpe, não assisto um capítulo de novella há uns 15 anos.
- você gosta de cinema? – ah, agora era minha praia, pensei, animado!
- sim, adoro. você faz cinema?
- sim, estou num filme sobre o presidente.
- qual?
- o atual, Lula.
- ok, mas ainda não vi.
- a pré-estreia é só daqui a um mês..
- mas aí fica difícil!
- concordo.. ela riu. [agora tinha certeza de que ela estava curtindo a situação..]
- bom, você não assiste novela, que é o que tenho feito.
- putz, você deve ser famosa [eu já havia sacado isso..]
- não sei. acho que famosa, ainda não. sou conhecida.
- mas eu não te conheço.
- mas você não é um cara muito antenado – o sorriso foi rasgado.
- assistir novelas é ser antenado?
- haha, não. assistir TV é acompanhar os acontecimentos. assistir novela é relaxar deles.. – filosofou a jovem [adorei]. e você o que faz?
- sou oficial de projetos num escritório da ONU aqui no RJ.
- legal! você não é daqui?
- não.
- está gostando do RJ?
- pra caralho!
- peraí - metralha a jovem. vamos tentar outra coisa. vc conhece cultura pop dos anos 80?
- ah, agora vc tá falando a minha língua, babe!! simplesmente, tudo.
- lembra do xou da xuxa?
- putz.. sim, por que?
- eu era paquita.
- ah, vai se foder! [juro que falei com muito carinho]
- é sério..
- ah que merda, cara.. boa sorte aí na carreira de modelo e atriz – falei com absurdo sarcasmo.
ela riu, agradeceu e foi jantar com os amigos. quando vou me juntar aos meus colegas, noto minha amiga baiana morrendo de rir, e me pergunta em baianês fluente:
- oxe, o que você e juliana barone tanto conversavam?!
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para gabi, que me inspirou a escrever esse post.
sábado, 15 de junho de 2013
before midnight
certa vez esbarrarei, confuso e imaturo, num cartaz do finado e saudoso cine márcia, que me chamou atenção. o filme era sobre o encontro casual de dois jovens durante uma mochilada pela europa. entrei e arrisquei. toda a história se passava em uma noite e nesse intervalo, jesse e celine [personagens de ethan hawke e julie delpy] se apaixonavam. roteiro bobo e muito simples, orçamento baixo, poucos atores no cast. a fórmula era imprópria para o sucesso, mas foi certeira para encantar uma geração inteira. verborragia, por vezes, para envolver o expectador na trama do jovem casal. era 1995 e eu tinha os mesmos 22 anos de idade dos protagonistas. talvez isso tenha facilitado identificação imediata com before sunrise. foi a quintessência da fantasia da paixão avassaladora.
a fórmula bombástica foi um estrondoso sucesso de crítica. nove anos depois, richard linklater, diretor da primeira película, traz a continuação – before sunset. o mote era tentar explicar [ou, propor uma explicação] o que teria acontecido com o casal depois de Viena. linklater usa o filme para discutir escolhas sérias e difíceis, que acabam por nortear toda a nossa vida. os diálogos amadureceram com os personagens e a ligação entre os dois é adulta, madura. jesse e celine tinham 31 anos e agora as consequências das escolhas machucam ainda mais.
na película linklater fez uma ode à maturidade do grande amor. o final do filme revela conexão perfeita entre os dois. mas, apesar da sugestão velada, paira uma dúvida sutil no ar: o que teria acontecido com eles? ficaram juntos? jesse embarcou para NY? ficou em paris? o hiato oficial dura nove anos, até..
linklater assume novamente a direção para dar vida à terceira [e última?] parte da história - before midnight. temos, os personagens e eu, 40, 41 anos de idade. jesse e celine vivem juntos e têm um casal de gêmeas. henry, filho da primeira mulher de jesse, vive com a mãe em NY. o fantasma neurótico da primeira mulher do cara – deixada por ele quando se une à celine em paris, é apenas o gatilho para a grande crise do casal. dessa vez, eles pagam - à prestações - um preço alto pela escolha que fizeram e pela aposta em viver o grande amor. construíram uma vida a dois e, em cima disso, linklater dá um Wasari para mostrar que não existe relação ganha, “acabada”. é até meio piegas, mas o fim é apenas o começo. o odioso “felizes para sempre” é um crime sustentado, herança maldita reproduzida e fortalecida por nossas famílias, escola, amigos, literatura e o caralho.
jesse e celine estão de férias na Grécia [locações paradisíacas] e graças a amigos, ficam sem filhos durante uma noite em um hotel de luxo. é durante esse começo de noite que a essência da discussão acontece. jesse e celine têm uma clássica – nem por isso menos dura, realista, cruel e surpreendente discussão. nela, questionam as escolhas que fizeram, desde que se conheceram. repensam a relação, fazem críticas e confissões.
o ritmo do filme lembra a segunda parte. mas os diálogos amadureceram, são reflexo de situações, links e referências mais maduros – e complexos entre os personagens. as dúvidas sobre o que teria acontecido em paris, nove anos antes, dissipam-se. as incertezas sobre o futuro do agora casal multiplicam-se. sim, jesse ficou em paris com celine. fez a opção que todos esperavam e pela qual todos torceram. certa vez li que “crescer é a arte de fazer escolhas”.. eu adicionaria: “..e bancá-las”. o filme machuca sólidas crenças, ao vomitar na cara de todos que sim, existe amor. mas ele não é um fim em si mesmo, e se parece com o conceito de felicidade: é muito mais processo que resultado. deve ser vivenciado, inclusive – e especialmente em nano-momentos da vida cotidiana, durante uma escovada de dentes, ou ao assistir o teatrinho da escola do filho. deve ser conquistado dia após dia na relação e o sentimento deve manter nossa atenção plena [vivas ao budismo], para corrigir rumos enquanto implementamos a relação.
a vida costuma imitar a arte. e de vez em quando, a arte sugere que a porra da vida é foda. vale a pena, é linda, pode ser até bem feliz. desde que entendamos que o segredo é não glamourizar ou idealizar em excesso, e, o principal: não projetar em ninguém. cada um que leve sua própria bagagem de neuras e coisinhas mal resolvidas. talvez não consigamos resolver cada nódulo psicológico de imediato, mas que tenhamos consciência deles!! e se encontrarmos um/a companheiro/a de jornada – por qualquer intervalo de tempo que dure a relação, ótimo! compartilhemos experiências, crises, esperanças, deleites, prazer, sopas e sushis. relevemos eventuais frustrações provocadas pelas clássicas projeções. amor eterno, traição, exclusivismo, diferenças. tudo é verniz. não é nossa construção desses conceitos que “dá liga” a um encontro romântico, mas nossa capacidade e habilidade para viver a relação.
é isso. não se deve tentar perpetuar o encantamento da paixão nem lutar contra a rotina, isso é remar contra a corrente. aprendamos a vivenciar o deleite e a curtição do encontro, nos [às vezes pequenos] espaços que o cotidiano permite. para isso, talvez seja preciso desmistificar de uma vez todas, sim, o amor romântico imediato. assim, temos mais chance de alimentar – e curtir a felicidade plena numa relação de longo prazo.
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